Camocim mostra jovem negra que acredita em campanha política limpa
Mayara Gomes em cena de Camocim

Camocim | Documentário que acompanha jovem negra mostra que é possível fazer campanha eleitoral limpa

Nesta produção franco-brasileira, acompanhamos por 45 dias a disputa eleitoral para prefeito e vereador na cidade de Camocin de São Félix, na região de Caruaru, Pernambuco. Naquele setembro de 2016, o cenário político do país estava conturbado com a má digestão de um golpe, seguido de Olimpíadas no Rio de Janeiro, enquanto a economia derretia-se ao sol do sertão. Pelos olhos do candidato a vereador César Lucena e sua coordenadora de campanha, Mayara Gomes, o sistema político vigente é arcaico e viciado. Só a força da juventude poderá responder ao chamado desesperado por renovação.

Em uma cidade com 17104 pessoas (IBGE) em que mais de 23% são eleitores entre 25 e 34 anos, esta tese faz sentido. Atenta e muito perspicaz, a coordenadora de 23 anos mostra seu trânsito livre e fácil identificação com seus iguais pois seu lugar de fala é o mesmo da imensa maioria do pobre e violento município: sofrimento, fome, abandono, desemprego, especialmente entre negros como ela. Um achado para uma fatia da população tão desesperançosa, fartamente retratada no documentário.

Uma feliz descoberta também para o diretor francês Quentin Delaroche: na busca por um filme sobre a nossa caduca política calcada no coronelismo, encontrou Mayara e configurou suas lentes para mostrar sua crença firme na política limpa como instrumento de mudança, sua luta por direitos, com a energia dos poucos da sua geração que professam a resiliência.

Isso transparece ao longo das cenas com closes e tomadas estáticas, em uma fotografia colorida e muito harmoniosa. A fidelidade de sentimentos que o diretor extrai pode nos convencer que todos os diálogos são naturais, os sorrisos são uma expiação e as lágrimas carregam alguma esperança. Delaroche roteirizou, dirigiu e fez a montagem de Camocim convidando o espectador a torcer por Mayara sem desanimar.

Idealista e comprometida com seus valores, Mayara dá o tom da campanha para o amigo Cesar logo no começo do filme: “Eu escolhi ficar com você. Muita gente vai escolher ficar com você. E isso pesa. E toda essa escolha requer uma seriedade”, pede, sem rodeios. Lucena vai corresponder e se empenhar para ganhar na ética. A jornada inclui uma rotina árdua com poucas horas de descanso, um tanto de twitter e facebook, filmagem com o celular, jingles caseiros, porém o modus operandi ainda será, como veremos, o convencimento no corpo a corpo no mundo real.

Azul duela com o vermelho na cidade de Camocim,  uma metáfora para o bipartidarismo dominante em nossas eleições.

Emprestando o imagético da festa de Parintins, o azul duela contra o vermelho por todos os cantos de Camocin para encenar a duplicidade majoritária em nossa política atual. Este surpreendente recurso esclarece também o apartidarismo e o esvaziamento ideológico que irriga os eleitores e prepara o terreno para o populismo e a ascensão da extrema direita. Uma situação também familiar a Delaroche em sua terra natal com a escalada da família Le Pen.

A realidade desidratada do eleitor médio do Brasil, bem representada no documentário, mostra jovens sem ocupação nem estudos completos, digitando o mundo na tela do celular enquanto seus pais ainda assistem ao Jornal Nacional na TV. Declaradamente avessos a tudo que está aí na política, porém, trabalham em campanhas e ajudam candidatos amigos como meio de sobrevivência, totalmente alienados em sua função. E caem vítimas do conhecido pão e circo. No caso de Camocim, com muita música e dança no centro da cidade, banhada com micaretas e comícios que enfeitiçam a patuleia.

Contrapondo-se a isso, Mayara vai à casa dos camocienses explicar o que é orçamento participativo e por quê este instrumento seria o mais adequado para a gestão dos recursos do município. É desacreditada, mas tem certeza que está plantando sementes para o futuro.

Pelo menos para o seu futuro. Com ambições para além daquela eleição, a jovem se declara preparada para seguir na vivência política, independente do resultado do pleito. César, por sua vez, tem planos para todos os cargos na sequência. Sabemos disto em uma cena ricamente simbólica, quando a dupla está pintando a pequena igreja evangélica à qual pertencem.

O inescapável paralelismo entre a crença religiosa e a práxis política em eleições aponta uma das muitas discussões que emergem da narrativa. Outras são possíveis e Delaroche explora cada uma proporcionalmente à sua importância para Camocim. O espectador logo perceberá que as doses serão diferentes em sua cidade, conforme seu olhar e este é um dos grandes méritos do filme.

Cesar Lucena, candidato a vereador, filma para sua campanha em 2016.

Oferecer estes botões para reflexão, mais uma vez, reforça a necessidade de repertório dinâmico sobre política. Diz que uma campanha deve ser memorizada para se exigir posteriormente ações efetivas de melhorias. Antecipa correções que otimizam uma sincronia entre eleitor e eleitos. Coloca o candidato como agente de transição, não de transformação. E, principalmente, empodera a mulher negra.

No balanço final, torcemos por Mayara e não desanimamos. E valeu cada segundo. #somostodosmayara

 

Estreia prevista para 13 de setembro. Confira abaixo o trailer do documentário:

Sobre Magah Machado

Paulistana, designer e analista de informação, entusiasta de expressões artísticas livres e autênticas na dança, cinema, música e fotografia como motores propulsores de mudanças no mindset careta e convencional