Vacina para Genocidas | Líder no número de mortes por Covid-19 quer monopolizar o comércio de vacinas

A maior potência econômica mundial rompeu com a OMS, restringiu o acesso a tratamentos com um sistema de saúde privado e agora será pioneira em tornar as vacinas uma mercadoria lucrativa

Capitalismo, sistema de saúde e pandemia

Em 29 de maio, quando os EUA alcançavam a marca de 1,7 milhão de casos e 101 mil mortes por Covid-19 – epicentro da pandemia – o presidente Donald Trump decidiu romper com a Organização Mundial de Saúde, alegando que a entidade “foi pressionada pela China a dar direcionamentos errados ao mundo” sobre o virus. Hoje o país ultrapassa 4 milhões de infectados e 145 mil mortos. Esses números não são por acaso: o presidente americano demorou a reconhecer a necessidade de isolamento social, foi rápido na reabertura do comércio e assistiu a uma segunda onda de contaminação.

A pandemia colocou em foco as desigualdades impostas pelo sistema capitalista, desde o privilégio de poucos poderem permanecer em isolamento social sem trabalhar até a necessidade de promover o acesso universal a testagem e tratamento para desacelerar a curva de contágio. No Brasil, 75% da população usufrui exclusivamente de um sistema de saúde público e gratuito (isso mesmo, a maioria da população brasileira é atendida apenas no SUS); além disso, leis trabalhistas incluem afastamento temporário do trabalho por questões médicas em alguns tipos de vínculo empregatício, por exemplo. Nos Estados Unidos, não existe uma lei federal que obrigue empregadores a oferecer licença médica e a maioria dos funcionários precisa escolher entre trabalhar doente ou ficar sem salário – e até mesmo perder o emprego. Sem um sistema público de saúde, muitos não tem cobertura e até evitam procurar atendimento por temer o alto custo envolvido.

Estima-se que 27 milhões de norte-americanos não possuíam seguro de saúde antes da pandemia. A situação se agravou pois metade dos seguros estão vinculados ao emprego e cerca de 40 milhões postos de trabalho foram perdidos nos últimos meses. Com isso, as populações historicamente marginalizadas foram ainda mais expostas a sua falta de privilégios: a vida nas periferias, os vínculos precários de trabalho e falta de acesso aos serviços de saúde. Pretos representam 6% da população de Wisconsin – mas correspondem a quase metade das mortes por coronavírus no estado. Da mesma forma, respondem por dois terços das mortes de Chicago, apesar de constituírem apenas um terço da sua população.

A desigualdade de acesso a medidas de prevenção, atendimento médico, leitos de internação e tratamentos não deve ser diferente quando do surgimento das vacinas, única promessa eficaz em conter a pandemia.

A saúde privada norte-americana é mais um mecanismo de genocídio da população preta.

Comércio de vacinas e a saúde como mercadoria

Em todo o mundo, estão sendo testadas possíveis substâncias ativas para uma vacina. O número de projetos é superior a 120. Vinte e quatro deles já estão sendo avaliados em humanos e somente quatro estão na última fase de teste. Mas nessa corrida pelo único meio eficaz de conter a pandemia, há muito mais do que ciência envolvida. A cada notícia de sucesso no andamento das pesquisas, as bolsas dão um salto e deixam o recado para a economia: enquanto a saúde e a vida das pessoas é tratada como mercadoria, sai na frente quem visa o lucro.

Nesse lógica, os laboratórios Pfizer, MSD (Merck Sharp & Dohme) e Moderna anunciaram que, caso tenham sucesso na produção da vacina, não a venderão a preço de custo. Dias depois, os Estados Unidos fecharam um acordo com duas farmacêuticas para comprar, ainda em 2020, 100 milhões de doses da vacina, desembolsando um total de US$ 1,95 bilhão (cerca de R$ 10 bilhões). As empresas afirmaram que não conseguirão produzir mais do que isso nesse ano.

Partindo de uma reflexão básica, de que a saúde é um bem essencial, que deve ser de acesso universal e promovida com equidade, quem terá acesso às vacinas? Os grupos de risco ou as populações em situação de vulnerabilidade? Claro que não. Todas as vacinas produzidas em 2020 foram vendidas para a maior potência econômica mundial, onde serão revendidas, em um sistema de saúde privado, a quem puder pagar por elas.

Enquanto isso, a vacina que está sendo desenvolvida na China será um bem público de acesso universal, conforme anunciou ontem Wang Yi, conselheiro de Estado e Ministro de Relações Exteriores da China.

No Brasil, podemos esperar que a vacina seja disponibilizada gratuitamente na Unidade Básica de Saúde mais próxima da sua casa, iniciando calendários de campanhas de vacinação estratificados por grupos de risco.

Defenda o SUS e a saúde pública. Não seja um genocida.

Sobre Tiago Oliveira

Retirante nordestino, com formação médica em ginecologia pela USP. Gay, encontrou sentido pra vida na luta por direitos humanos e na promoção de justiça social. Gosta de arte, de viagens, de ciência, mas principalmente de pessoas. Toca violão, canta no chuveiro, escreve poemas e tatua o corpo.