10 filmes com protagonismo lésbico que valorizam o olhar feminino

Em comemoração ao Mês da Visibilidade Lésbica, elencamos 10 filmes dirigidos por mulheres que fogem do imaginário heteronormativo que comumente erotiza a mulher lésbica e as coloca no lugar do fetiche

Desde 1996, o dia 29 de agosto tem sido comemorado como o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica para chamar a atenção para a militância lésbica no país e reforçar a luta contra todo o tipo de violência e outras pautas importantes para a comunidade. Por extensão, agosto tornou-se um mês L para um maior aprofundamento das discussões relevantes às lésbicas em várias instâncias.

Na indústria cinematográfica internacional, por exemplo, ainda há muitas resistências em acolher temáticas e profissionais lésbicas. Aqui no Brasil o problema é bem maior e resvala na falta de produções nacionais mais relevantes. Por isso, para lançar uma luz sobre o Mês da Visibilidade Lésbica, selecionamos filmes com relações incríveis entre mulheres. Histórias que vão além do árduo enfrentamento do preconceito e da discriminação, tentando escapar do relacionamento envernizado de amizade, da lesbianidade como loucura mental, da fetichização, da lésbica do “de repente” e da saída do armário.

Os critérios objetivos para esta lista foram dois: personagens realistas, ou seja, não romantizados, como os que habitualmente atendem ao imaginário heteronormativo, e que tenham sido realizados por diretoras mulheres. Dito isso, vamos aos conflitos, ou melhor, aos 10 escolhidos:

1. Minhas mães e meu pai, de Lisa Cholodenko (2010)

Lá se vão dez anos desta história particular de amor lésbico consolidado entre Nic (Annete Bening) e Jules (Julianne Moore). Maduras, estabelecidas, seguras de si, o casal vive tranquilamente em família com os dois filhos adolescentes Laser (Josh Hutcherson) e Joni (Mia Wasikoska). Até que Laser decide encontrar seu pai doador de esperma. Consegue apoio de sua irmã e juntos eles descobrem sem segredo Paul (Mark Ruffalo). Porém, para Nic e Jules, esse novo personagem vai desestabilizar uma relação cristalizada há anos e aí surgem vários debates de que todos participam e se envolvem.

2. Duas Garotas in love, de Maria Maggenti (1995)

A diretora e roteirista americana Maria Maggenti transpõe para as telas mais uma prova da interseccionalidade entre gênero, classe e raça que permeia os feminismos. Não se engane com a temática leve de amor juvenil entre a rebelde Randy (Laurel Holoman) e Eve (Nicole Parker). O roteiro de Maggenti usa o primeiro amor como pretexto para desconstruir preconceitos até clichés, mas pela singularidade desta comédia em sua estética conseguiu também um retrato dos anos noventa.

3. Meus dias de compaixão, de Tali Shalom-Ezer (2017)

O argumento do roteirista Joe Barton é, no mínimo, único, digamos assim: a discussão de um tema pesado como a pena de morte sob lentes polarizadas entre ativistas a favor e contra. Para representar as ativistas temos Lucy (Ellen Page), cujo pai está no corredor da morte e Mercy (Kate Mara), uma advogada a favor da pena capital. As divergências que vão aproximá-las romanticamente talvez não fiquem bem resolvidas, mas a química entre Page e Mara vale muito o filme. Duas atuações de muita qualidade que seguram bem este longa da diretora israelense ainda a ser descoberta Tali Shalon-Ezer.

4. Senhoritas de uniforme, de Leontine Sagan e Carl Froelich (1931)

Avançado para sua época no tema, este filme alemão tem como mérito a tentativa de romper estruturas institucionais. Neste caso, um beijo lésbico num internato feminino. Não é pouca coisa hoje, 91 anos atrás foi um escândalo que só poderia ser pior sob o Código Hays estadunidense. Na Alemanha falida economicamente da época, a ingênua Manuela (Hertha Thiele) é enviada a um internato só para meninas e coleciona uma série de descobertas. A maior delas é um amor correspondido por sua professora Fraulein von Bemburg (Dorothea Wieck). A fotografia em preto e branco supera a refilmagem colorida de 1958 com Romy Schneider em início de carreira.

5. Monster: Desejo assassino, de Patty Jenkins (2003)

Monster está completamente fora dos padrões de romances açucarados e descoberta da própria orientação sexual. A diretora americana Patty Jenkins (de Mulher Maravilha, 2017) apresenta um drama biográfico da prostituta Aileen Wuornos (Charlize Theron) que se revela uma serial killer ao se mudar para Daytona Beach, na Florida. Aileen se envolve com Selby Wall (Christina Ricci) e isso a induz a querer abandonar a prostituição e a proteger Selby, mas financeiramente não consegue bancar a sobrevivência das duas. Ao voltar às ruas, mergulha num ritmo avassalador de violência em reação à brutalidade endêmica da profissão. Com uma atuação surpreendente de Theron, transformada em um corpo disforme e cheio de ódio e ressentimento, Monster traz bom cinema com ótimas questões para se debater.

6. Retrato de uma jovem em chamas, de Céline Sciamma (2019)

Um drama ambientado no final do séc. XVIII com fotografia e direção de arte arrebatadoras. Apresenta a singularidade do romance cheio de expressividade entre a aristocrata Héloise (Adéle Naenel), uma noiva relutante, e a pintora Marianne, um artista resignada. Isso será um franco confronto às proibições de gênero, classe e moral da época (e tão familiares até hoje). A delicadeza de nuances do despertar do amor entre elas tem a cumplicidade de Sophie (Luàna Bajrami), a tímida empregada da casa de Héloise, uma combinação que dá leveza e contundência à narrativa. Com um desenvolvimento coeso, é um filme físico, quase palpável em sua bela poesia visual.

7. Tell it to the bees, de Annabel Jankel (2018)

Este drama sentimental é cheio de signos e assonâncias. No pós-guerra, uma pequena cidade da Escócia recebe uma nova médica, Jean (Anna Paquim) que se apaixona por Lydia (Holliday Grainger). Por meio do filho de Lydia, Charlie (Gregor Selkirk) e das abelhas que cultiva, Jean vai se aproximar da jovem mãe e toda a graciosidade metafórica da união entre ser humano e natureza vão se revelar. Previsível, sim. Desnecessário, não.

8. Como esquecer, de Malu de Martino (2010)

Um destaque entre os títulos nacionais, este longa de Malu de Martino é pretensamente hermético, mas vale a pena por trazer um ótimo elenco empenhado em ter um resultado superior. A universalização do tema da dor da perda partiu do livro “Como esquecer – Anotações quase inglesas!, de Miriam Campelo. A história da professora de literatura inglesa Julia (Ana Paula Arósio), recentemente abandonada depois de um relacionamento de 10 anos com sua companheira, é uma sessão talvez densa para alguns. Julia vai viver seu luto com os amigos Hugo (Murilo Rosa) e Lisa (Natália Lage) e os conflitos serão projeções dos questionamentos próprios desta fase.

9. Rafiki, de Wanuri Kahiu (2018)

A diretora queniana Wanari Kahiu aponta para o clássico Romeu e Julieta quando retrata o amor juvenil entre Kena (Samantha Mugatsia) e Ziki (Sheila Munyiva), de famílias rivais e dominadas pelo patriarcado há anos. Sem rejeitar seus sentimentos, o jovem casal se assume mesmo com dúvidas, enquanto sofrem todo tipo de ataque da comunidade conservadora onde vivem. Com as cores vibrantes e a energia da cultura africana, Kahiu compensa um roteiro fraco com boa direção de arte e atrizes carismáticas.

10. Amor maldito, de Adélia Sampaio (1984)

Um longa que marca dois pontos importantíssimos na cinematografia brasileira. Primeiro, Adélia Sampaio foi a primeira mulher negra a ter uma obra com temática LGBTQ exibida em circuito comercial. Categorizada como pornochanchada, seu longa foi veiculado apenas no Cine Paulista, em princípio. Porém, graças a uma crítica favorável de Leon Cakoff Amor Maldito venceu o preconceito e deixou o nicho pornô. Ficou o título execrável, mas isso foi superado por uma trama policial interessante. O romance cheio de paixão entre Fernanda (Monique Lafond) e Sueli (Wilma Dias) é levado aos tribunais após o assassinato de Sueli. O espectador já sabe que, em plena ditadura, vão desfilar signos a serem descobertos e texto com múltipla interpretação. Alguns são melhores que outros, mas o conjunto funciona bem e reforça a obrigatoriedade da obra para o cinema nacional.

Sobre Magah Machado

Paulistana, designer e analista de informação, entusiasta de expressões artísticas livres e autênticas na dança, cinema, música e fotografia como motores propulsores de mudanças no mindset careta e convencional