Mas afinal, por que odiamos o nosso corpo?

Como a influência da mídia e da sociedade geram um ideal de beleza inalcançável

Como um Médico do Esporte que odeia trabalhar em times e tem um consultório no centro de São Paulo, não é de se espantar que a quase totalidade de meus atendimentos sejam baseados em estética corporal (emagrecimento, definição, hipertrofia). Não há nada de errado em procurar atingir um padrão que se considera belo, mas a repetição constante dos mesmos objetivos e queixas geram alguns questionamentos dignos de reflexão.

Primeiro: por que o belo é belo?

A beleza não é um conceito que surge naturalmente, mas uma construção social que varia muito entre as nacionalidades e ao longo do tempo.
Do ponto de vista científico, faltam evidências que apontem que, na espécie humana, a determinação do que é belo seja baseada fortemente em critérios genéticos ou fisiológicos. Alguns fatores parecem ser relativamente fixos na percepção da beleza, como uma certa faixa de variação de dimensões de face e relação cintura-quadril, simetria facial, homogeneidade de pele, mas o restante dos inúmeros fatores tem forte influência de fatores psicológicos, sociais e culturais.

A Princesa Iraniana Zahra Khanom Tadj es-Saltaneh é frequentemente relacionada ao boato de ter encantado 145 pretendentes, sendo que treze cometeram suicídio ao serem rejeitados. Esse conto apresenta pouco respaldo em documentos históricos, entretanto, há consenso de que a princesa era considera bela para o padrão da época.


De modo geral, no que vai além de uma pequena base com determinação biológica, podemos afirmar que consideramos belo o que nos foi ensinado como belo.

E como “aprendemos” o que é belo?

Principalmente pela exposição. A mídia assume um papel importante neste tópico, ao apresentar repetidamente os mesmos tipos corporais como belos e desejáveis.

Em 2014, Victoria’s Secret envolveu-se em uma polêmica ao associar o slogan de “corpo perfeito” a suas modelos de perfil corporal magérrimo. Após a repercussão na mídia, o slogan mudou para “A BODY FOR EVERY BODY”, utilizando a mesma imagem.
Note a monotonia no padrão corporal apresentado na propaganda.


O Instagram está lotado de fotos de musos fitness, com suas barrigas trincadas, músculos bem torneados e maxilares marcados pela harmonização (padronização?) facial. Para as mulheres, o ideal de beleza representado por modelos magérrimas desfilando nas passarelas é predominante, embora o padrão “fitness” tenha ganhado mais espaço atualmente (mas não pode crescer demais, se não fica pouco “feminino”).  
A repetição infindável desses padrões gera o imaginário social de que estes sejam os únicos padrões de beleza a serem “normalizados” e desejados.

E qual o problema disso?

Os padrões normalizados são de indivíduos que, além de frequentemente dependerem do corpo (e do culto ao corpo) para exercerem seu trabalho, na maioria das vezes tem maiores recursos para permitir que tal padrão seja alcançado. Treinadores e cozinheiros particulares, tempo disponível para grandes cargas de treino. Recursos para alimentação, suplementação, esteróides, tratamentos estéticos, cremes dermatológicos, cirurgias plásticas.

Limpeza de pele, toxina butolínica (Botox), preenchimentos, peelings, cremes dermatológicos, luz pulsada, laser, microagulhamento, aplicação de enzimas para gordura localizada. Uma consulta em um dermatologista estético de luxo pode resultar em gastos equivalentes a um carro popular.


Por outro lado, a maioria das pessoas não exercem profissões com uma dependência direta da aparência e, consequentemente, não tem tanto tempo e/ou recursos para investir nesse tópico. Para essa maioria, simplesmente replicar o mesmo padrão de beleza irreal como objetivo provavelmente irá gerar frustração.

Por quê?

Se você depende do seu corpo para trabalhar – como um bodybuilder, modelo, garoto de programa – manter uma rotina extremamente rígida de dieta e exercício pode ser a diferença entre ter dinheiro para a aposentadoria ou não. Esse geralmente é um bom incentivo para não matar aquele treino no domingo de manhã e negar aquele rodízio de pizza na sexta-feira.
Entretanto, se você malha apenas pela questão estética e trabalha em qualquer função prioritariamente intelectual, dar “derrapadas” na rotina não é, de fato, algo com impacto real na sua vida.

Mas a cobrança pelo corpo perfeito faz parecer com que esse impacto exista.

Qual o real impacto de um centímetro a mais de braço? Vale a pena deixar de viajar com sua família porque não vai conseguir treinar por uma semana? Vale não jantar com seu afeto no aniversário de namoro?


Reflita. Qual o real impacto do tamanho de um pneuzinho na sua barriga? Ou de alguma gordura no flanco? Ou de um centímetro a menos de braço?

Talvez você pegue algumas pessoas a menos. Você precisa delas?

Talvez algumas roupas não entrem. Haverá muitas outras.

Haverão alguns comentários chatos de família. Mande ao inferno.

Buscar um padrão específico de corpo não é errado.
Desde que você faça isso amando seu corpo, não odiando.

Você pode querer ser mais forte. Maior. Mais magro. Ter gominhos no abdômen. Desde que buscar isso seja um prazer, não um sofrimento. Desde que você saiba que não é uma obrigação. Que seja uma decisão sua, não uma pressão alheia.

Da mesma forma, você pode não querer nada disso.
E está tudo bem. Desde que suas escolhas lhe façam feliz.

Sobre Leonardo Carvalho

Médico do Esporte por formação, atuando também em Dor Crônica e Reabilitação. Catarinense radicado em São Paulo. Adepto do amor livre. Profundamente liberal nos costumes.