A Síndrome de Capitão do Mato | Os reflexos da escravidão que ainda se manifestam nos dias de hoje

Já falamos aqui sobre como o aparato de segurança do Estado, a polícia, foi, desde sua criação, fundamentada em preceitos racistas. Não é nenhuma novidade que as ações de alguns grupos policiais (há exceções) colaboram para o genocídio da população preta, principalmente jovens, pobres e periféricos.

+Você sabia que historicamente a polícia no Brasil foi criada para proteger os brancos?

Policial aponta fuzim para manifestante negro. Reprodução imagem: Notícias R7 – Rio de Janeiro

No entanto, na terça-feira (30) um fato chamou atenção da mídia e foi bastante divulgado nas redes sociais. Aconteceu que, um policial em sua moto, trazia algemado à mesma um jovem negro, Jhonny Ítalo da Silva (18 anos, suspeito de tráfico. O garoto acompanhava a moto a pé e aparentava estar cansado, caminhando, ou quase correndo, com bastante dificuldade.

Jovem algemado à moto de policial. Reprodução imagem: Estado de Minas (em.com.br)

A cena gerou muita indignação nas redes sociais. Apesar de ser suspeito do crime, a forma como foi conduzido, segundo especialistas em segurança ouvidos pelo G1, configura tortura, racismo e abuso de poder. Em resposta à sociedade a Polícia Militar de São Paulo disse ter aberto inquérito para apurar o acontecido. Disse ainda que a polícia não compactua com tais condutas que são inadmissíveis.

Acontecimentos desse tipo revivem em nossa memória violências passadas (num passado não muito distante) contra o povo preto. Tais acontecimentos nos levam a questionar como podem policias (como dito, há exceções), homens e mulheres que são trabalhadores (as), muitos deles também negros, agirem de forma tão violenta e muitas vezes desumana contra o povo preto, a juventude preta, enquanto nos bairros de elite, jovens brancos e ricos vivem a saborear da impunidade.

Algumas explicações podem ser dadas na tentativa de elucidar melhor essa violência contra a população preta brasileira. Primeiro é preciso pensar que o estado forma seus agentes públicos de segurança para enxergar no povo preto um alvo, para reprimir e oprimir essa parcela (enorme) da população. Sua formação é arcaica e violenta.

Segundo é preciso pensar na síndrome de capitão do mato. O que é isso? Capitães dos matos eram homes livres, pobres, alguns brancos outros negros que serviam aos senhores de terras e engenhos. Cuidavam dos (as) escravizados (as) para que não fugissem, para que o trabalho nos engenhos e lavouras fosse cumprido. Cuidavam da captura dos (as) pretos (as) escravizados (as) quando esses (as) fugiam. Executavam, muitas vezes, os castigos determinados pelos senhores para serem aplicados aos (as) escravizados (as) rebeldes.

Capitão do mato trazendo homem negro escravizado. Reprodução imagem: Estudo Kids (estudokids.com.br)

Respeitando as devidas proporções temporais, é possível ver no aparato de segurança do Estado muitos resquícios dos capitães dos matos. Quando um policial se identifica mais com a elite, só por tem um pouco de poder nas mãos, do que com trabalhadores e trabalhadoras, não é exagero dizer que este sofre da síndrome do capitão do mato.

Quando um ou uma policial (ou agente de segurança pública) vê no homem preto um bandido em potencial, um fugitivo em potencial ou um traficante em potencial, levando em conta só sua cor e seu estilo, não é loucura dizer que ele está com a síndrome de capitão do mato.

Policiais abordando. Reprodução imagem: Nexo Jornal (nexojornal.com.br)

Quando um grupo de policiais entra na favela atirando, arrombando as portas de moradores (as) trabalhadores (as), tendo como base para suspeita apenas o lugar de moradia dessas pessoas, não é loucura dizer que ele ou ela estão com a síndrome de capitão do mato.

Policiais na favela. Reprodução imagem: Migalhas (migalhas.com.br)

Enfim, não estamos aqui demonizando a polícia brasileira, sabemos como é estruturado o braço de segurança estatal e como esses policiais, trabalhadores, são constantes vítimas de violência e desestrutura em nosso país.

São os que mais matam, mas também os que mais morrem, são mal pagos e colocam suas vidas em risco constantemente. Muitos cumprem de fato o dever de proteger a população. Aqui falamos daqueles que usam o poder para oprimir aqueles que já são oprimidos por diversos setores dessa estrutura racista, machista, LGBTQIA+fóbica.

Policial sonhava em mudar o mundo. Reprodução imagem: BBC News Brasil (bbc.com)

No entanto é preciso apontar que, quando esse ou essa policial, violenta jovens pretos por sua cor, estilo ou origem; quando esses (as) agentes agridem professores que se manifestam pacificamente em prol de direitos trabalhistas; quando manifestantes pacíficos são atacados por terem uma ideologia diferente é possível apontar que tais agentes estão com a síndrome de capitão do mato, pois esses agentes (aqueles que se enquadram nesse texto), apesar de trabalhadores e trabalhadoras, se identificam mais com a elite e estão a postos para cumprir suas vontades e executar seus mecanismos de opressão. É para que reflitamos.

Professora agredida em manifestação (São Paulo). Reprodução imagem: Ponte (ponte.org)

Sobre Misael Lacerda

Preto, gay, graduando em História, professor, antifascista e antirrascista. Aspirante a escritor, amante da leitura e metido a cozinheiro. Amo tudo que é previsivelmente espontâneo.