thriller A culpa 2018
Foto divulgação

A Culpa | Suspense policial chega aos cinemas em thriller claustrofóbico

A trama acompanha em tempo real o policial Asger Holm (Jakob Cedergren) no serviço de emergência da polícia de Copenhagem, quase no final do seu turno. Nos 80 minutos em que convivemos de perto com Asger nas duas salas do departamento, as peças de uma quebra-cabeça vão surgindo, enquanto as combinações possíveis vão sucumbindo e gerando tensão crescente.

E a chave está dada logo na primeira cena: em close, vemos a orelha de Asger. Sua escuta ativa e assertiva é absolutamente tudo que ele tem em mãos para ajudar os cidadãos da fria capital dinamarquesa a sairem de apuros que vão desde assaltos até queda de bicicleta.

Percebemos que o apoio tecnológico avançado, com um sistema que conecta o número do telefone do interlocutor com sua localização geográfica via GPS, revelando seu endereço com informações pessoais, como placa de carro, torna-se insuficiente sem a inteligência policial. Um profissional dedicado, preocupado em não fazer um atendimento robotizado, usaria o bom senso acima de tudo. O bom senso de Asger é um tanto peculiar: como agente da lei com experiência nas ruas, ele se impõe como um juiz de moral questionável no escritório, quebrando hierarquias e passando por cima de regulamentos ao seu livre arbítrio.

thriller A culpa 2018
Cena de A culpa (2018)

O paradoxo é que foi justamente este o motivo que o trouxe ao serviço burocrático da central de emergências. Antes de combater o crime lá fora, Asger tem uma luta constante contra si mesmo em sua nova rotina de trabalho. Compartilhamos sua angústia para manter o auto-controle e, acima de tudo, usar todos os seus recursos de inteligência emocional.

Os planos fechados no rosto de Cedergren são exploratórios de sua imensa capacidade em comunicar contentamento, raiva, desprezo, aflição, tristeza, frustração, um requisito mínimo para filmes com esta proposição. Um desafio que o ator americano Jake Gyllenhaal assumirá ao estrelar o já anunciado remake do filme.

A edição de som eficiente das vozes de quem está do lado de lá da linha traz uma riqueza de timbres e entonações sob ambiência intrigante para estimular a imaginação do espectador na compleição das cenas, resgatando o melhor das novelas de rádio, atualizadas em podcasts. Esta proximidade entre cinema e literatura garantem uma imersão total no drama principal do sequestro de Iben (voz de Jessica Dinnage), uma mãe desesperada que forçosamente deixou sua pequena Mathilde (voz de Katinka Evers-Jahnsen) e seu bebê (Oliver) em casa sozinhos.

Ao fim de sua escala, o autoritário policial não se resigna a abandonar Iben nas mãos (e ouvidos) de seus colegas e aqui mergulhamos na trama paralela de conflitos pessoais e éticos de Asger que eclipsam por vezes o que estará reservado à atormentada mãe. Novamente desrespeitando ordens de sua chefe, ele se retira para uma sala contígua onde o trabalho interessante de fotografia de Jasper Spanning combina nuances de sombra e luz calculada. A câmera se afasta um pouco e muitas vezes focaliza Asger de costas, pois não temos permissão para acompanhá-lo aqui. Como quem sai de cena para resolver, na ilegalidade, um problema rumoroso.

Nesta estreia do sueco Gustav Möller, toda a construção do enredo com o escritor Emil Nygaard Albertsen mostra um talento em apresentar sínteses de cenas abomináveis, personas dúbias, espectros não maniqueístas. O clímax de horror vai ao limite do insuportável. As estratégias ficcionais de alongar os atendimentos (inverossímel) e burlar um pouco as repostas do sistema telefônico, tornando-o seletivo por vezes, não diminuem a força cinematográfica de A Culpa.

O premiado podcast americano “Serial”, de Sarah Koening e Julie Snyder foi, realmente, a maior inspiração de Möller. Não chega a ser uma surpresa, considerando-se a natureza descritiva do texto, efetivo sem nenhuma trilha sonora. Em uma entrevista, o diretor conta que em cada episódio do podcast a imagem que tinha de cada personagem mudava e foi esta transmutação que a dupla criativa incorporou à narrativa do filme.

No acender das luzes, a produção minimalista nórdica elaborou na mente do espectador um percurso de idas e vindas em tópicos complexos. Eles se desdobram em várias questões cotidianas dos sistemas burocráticos. Em boa medida, o longa coloca em cheque o burocrata parcial que age arbitrariamente (Asger) e também a já perfeitamente estruturada burocracia (a polícia de Copenhagem), um embate que pode colocar vidas em risco sem que se possa apontar um único responsável.

O risco aumenta na proporção direta em que o autoritarismo e a falsa moral contaminam o sistema burocrático. Infelizmente, ganham espaço a cada dia pelo seu poder comprovado de quebrar sistemas ao meio sem apresentar, em contrapartida, uma solução mais eficaz. Aceitar isto é a culpa, na verdade, atribuída a todos nós.

A Culpa tem previsão de estreia em 20 de dezembro nos cinemas de todo o país. Confira o trailer abaixo:

Sobre Magah Machado

Paulistana, designer e analista de informação, entusiasta de expressões artísticas livres e autênticas na dança, cinema, música e fotografia como motores propulsores de mudanças no mindset careta e convencional