Legalidade | Filme resgata a memória de um líder que impediu um golpe de estado militar

Longa recria os fatos do Brasil de 1961, onde governador gaúcho Leonel Brizola consegue impedir um golpe militar contra Jango em uma campanha popular chamada Legalidade.

Produção gaúcha mostra momento político que tem ensinamentos e significados muito pertinentes aos dias de hoje

O docdrama de Zeca Brito traz à memória a Campanha da Legalidade encampada pelo então governador gaúcho Brizola. Graças a ela, Jango não foi deposto em um golpe militar em 1961, após a renúncia do presidente Jânio Quadros. O golpe viria, efetivamente, em 1964.

Depois de estrear no Festival de Gramado em meados de agosto, com direito à inusitada presença de Ciro Gomes (PDT-CE), Legalidade chega aos cinemas de todo o país no próximo dia 12 de setembro. O longa figurou na lista dos candidatos a representar o Brasil no Oscar, vaga que ficou para A vida invisível de Eurídice Gusmão, do diretor Karim Aïnouz.

Na transposição da história para a telona, o episódio de arrojo do começo ao fim, que deu projeção nacional à Brizola e gerou a breve experiência parlamentarista brasileira, fica injustamente, muito menor que sua relevância.

Legalidade retrata em tom novelesco um episódio importante e único da história política do país, quando um líder político conseguiu engajar a massa para impedir a ilegalidade de um golpe de estado militar. Sim, mais uma vez a arte imita a vida. Ou, bem apropriadamente, a ação da vida, pois o longa de Zeca Brito é repleto de ação e romance em uma trilha fantasiosa que coloca o fato histórico debaixo do tapete.

A trama ficcional que serve de pretexto para este docdrama se apoia em um triângulo amoroso formado por Cecília (Cleo), Luis Carlos (Fernando Alves Pinto) e Luis Antonio (José Henrique Ligabue), jornalistas políticos que se cruzam em meio à balbúrdia causada pela renúncia do presidente recém-eleito Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961. Cada qual com sua verdade, vão representar os perfis já fartamente conhecidos dos folhetins. A mulher lindamente sedutora que manipula seus amantes em benefício próprio vai ter que se virar nos trinta quando é desmascarada por um dos dois irmãos que a cortejam.

Cleo é Cecília em filme sobre Brizola

Leonardo Machado (em um de seus últimos trabalhos) esmerou-se como o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, mastermind por trás da resistência à tentativa de golpe militar com a campanha Legalidade, em que colocou-se à frente de um enfrentamento direto com o exército por meio de seu programa de rádio nos porões do Palácio Piratini. O ator consegue expor mais camadas e sentimentos que seus colegas de elenco, uma espécie de salvaguarda do longa.

Letícia Sabatella faz mais uma jornalista, Bianca, filha de Cecília que em 2004 tem que voltar a analisar a trajetória de sua mãe. Um braço que sobra no roteiro, com ações risíveis de pesquisa em tentativa de um fechamento menos rocambolesco à narrativa.

Perseguição de carro, prisão, luta corporal, romances proibidos, todos com uma qualidade questionável de execução, compõe debilmente essa porção ficcional, enquanto as re-encenações históricas correm em segundo plano com tintas caricaturais.

A locação principal, o Palácio do Piratini, é belíssima, especialmente à noite, quando foram feitas a maior parte das gravações. Talvez por isso o longa seja tão sombrio, em franco contraste com as cenas diurnas do encontro de Brizola com Che em Montevideo, com um ótimo aproveitamento de luz.

Leonardo Machado é Brizola em Legalidade

A inserção de cenas e imagens de época deixam as re-criações de figurino e figurantes constrangedoras. O tom artificial está em toda parte.

Por esses e outros percalços, o filme vale muito mais pela pertinente lembrança do fato e do personagem do que por suas qualidades cinematográficos. “Minha alfabetização no audiovisual foi por meio da televisão”, já assumiu Brito. E é este, enfim, o padrão que o espectador encontrará no longa do diretor bajeense. A ironia por trás deste contexto é que uma figura como Leonel Brizola, que foi eterno opositor das Organizações Globo, poderá ser visto na Sessão da Tarde do canal cinco.

E com quase todo o mérito que lhe coube à época. Quase, pois a escalação de Cleo (antes chamada Cleo Pires) como a protagonista e heroína Cecília é uma artimanha do roteiro fraco que lhe empresta algumas ingerências. Como, por exemplo, a iniciativa de colocar no avião em que Jango viajava de volta ao Brasil para assumir a Presidência jornalistas estrangeiros. Muito bem informado e relacionado, Brizola desmantelou esse lance do exército brasileiro, chamado Operação Mosquito, que visava abater o avião de Jango em pleno ar.

Dada a conjuntura política atual, o significado e relevância da Campanha Legalidade, com seu enredo e personagens políticos, não precisaria de nenhum contraponto ficcional. Assim como Leonel Brizola não precisaria de um interlocutor para expor sua ideologia e pensamento crítico, sempre tão difundida por ele próprio e seus correligionários. Ao contrário, com suas nuances e paradoxos, Brizola é um personagem pronto para o cinema. E completo. Não escolher este ponto de vista é uma grande perda de oportunidade para re-aproximar o povo do que ainda pode existir de bom combate político.

Legalidade tem previsão de estreia em 21 de setembro nos cinemas de todo o país.

Confira abaixo o trailer:

Sobre Magah Machado

Paulistana, designer e analista de informação, entusiasta de expressões artísticas livres e autênticas na dança, cinema, música e fotografia como motores propulsores de mudanças no mindset careta e convencional