Mostra discute negritude, gênero e diversidade sexual no Sesc 24 de maio

Questões de gênero, diversidade sexual e tópicos do universo queer estão presentes na produção apresentada na 21ª Bienal de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil de 9 de outubro a 2 de fevereiro de 2020

Artistas de diversas nacionalidades ampliam o espectro do tema a partir de suas próprias experiências em diferentes contextos sociais e realidades políticas. Em tempos de ascensão das intolerâncias, alguns desses artistas nos convidam a refletir sobre pertencimento, identidade, diversidade, família e afeto.

É o que faz a dupla brasileira Paulo Mendel & Vitor Grunvald em Domingo (2018), filme que documenta um dia dentro do coletivo família Stronger, grupo periférico LGBTQ paulistano. Já a artista turca Nilbar Gures retrata uma jovem trans que sobreviveu a um ataque transfóbico violento. Também de origem turca, Aykan Safolgu caminha entre a ficção e a realidade e exibe um diálogo imaginário com o escritor norte-americano James Baldwin, no qual ambos refletem acerca das dimensões políticas do racismo e da tolerância. Atravessado de intimidade, o trabalho da artista sul-africana Megan-Leigh Heilig retrata uma conversa íntima entre um casal de lésbicas. Ações com o público também acontecem através do coletivo #VOTELGBT, que durante toda a exposição realiza aulas e intervenções pelo espaço do Sesc 24 de Maio.

“Em meio às ameaças – renovadas diariamente – que pairam neste momento sobre tantas liberdades e valores fundamentais, é um alento poder reiterar o elogio da diversidade, do pensamento que transforma e do exercício da cultura”, reflete Solange Farkas, diretora do Videobrasil.

A 21ª Bienal de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil | Comunidades Imaginadas será realizada de 9 de outubro de 2019 a 2 de fevereiro de 2020, no Sesc 24 de Maio, em São Paulo, reunindo mais de 60 obras, com 55 artistas de 28 países, entre vídeos, pinturas, fotografias e instalações. Juntos, a diretora artística Solange Farkas, o trio de curadores Gabriel Bogossian, Luisa Duarte e Miguel López e os membros do júri de seleção Alejandra Hernández Muñoz, Juliana Gontijo e Raphael Fonseca analisaram 2.280 inscrições, de 105 nacionalidades para selecionar obras advindas do Brasil, América Latina, África, Ásia, Oriente Médio e Oceania.

O título-tema Comunidades Imaginadas, emprestado do estudo de Benedict Anderson, refere-se aos diversos tipos de organização social e comunitária que existem às margens dos Estados-nação como comunidades indígenas, religiosas, de refugiados, organizações em defesa pela liberdade sexual e de pensamento, entre tantas outras que estarão presentes nesta edição.

Obras

Aykan Safolgu
Off-White tulips, 2013 | Vídeo, 23’47’’

A obra é composta inteiramente por imagens de arquivo e registros de objetos que são escritos, um a um, pela câmera, criando uma conversa imaginária entre o artista e o escritor americano James Baldwin, que viveu em Istambul entre os anos 1960 e 1970. Safoğlu aproxima sua jornada pessoal com a de Baldwin, cuja identidade como negro gay abre a porta para o cineasta explorar as dimensões políticas do racismo e da tolerância, enquanto mobiliza os ícones populares turcos e americanos da época para a conversa, numa espécie improvável de autobiografia narrada em terceira pessoa.

Megan-Leigh Heilig
The politics of choice and the possibility of leaving, 2018 | Vídeo, 15’

Uma conversa íntima, ao pé do ouvido, entre um casal de namoradas. Quando não estão recolhidas no quarto, elas se aventuram por estradas para descobrir paisagens. Nesse momento, no entanto, outro tipo de viagem está para acontecer. A artista documentou, na obra, os dias que precederam sua viagem da África do Sul à Bélgica, onde iria viver. Sua namorada, por outro lado, depois de anos vivendo na África do Sul, teria de voltar a seu país de origem, a Namíbia, onde a homossexualidade é criminalizada. A complexidade das fronteiras, dos percursos e das identidades é o fio condutor dessa espécie de diário lírico de uma partida.

Nilbar Güres
Torn, 2018 | Instalação composta de vídeo (6’), fotografia e tecido

Torn pede ao espectador que considere o discurso do poder social e o modo como ele forma comunidades periféricas, enfatizando experiências específicas das mulheres trans na Turquia. O vídeo parte de Didem, uma prostituta trans que encara a câmera em posição vulnerável, mas forte: ombros para a frente, braços atrás das costas e contato visual permanente com o espectador. Enquanto um ruído persistente soa como um erro técnico, a câmera em zoom cria uma intimidade por meio da observação e do detalhe. Uma cicatriz no pescoço parece lembrar que, desprotegidas e muitas vezes extorquidas pela polícia, mulheres como Didem enfrentam ameaças extremas de violência todos os dias.

Paulo Mendel & Vitor Grunvald

Domingo, 2018 | Vídeo, 25’30’’

Resultado do projeto desenvolvido por Mendel e Grunvald há mais de dois anos junto à Stronger, coletivo LGBTQIA+ periférico da cidade de São Paulo. O Projeto Família Strongeré um trabalho de investigação documental de narrativa transmídia sobre esse coletivo que, tal como outras famílias LGBTs, constrói formas de parentesco alternativas quando vistas a partir de concepções hegemônicas de família fundamentalmente marcadas pela ideia de consanguinidade. No lugar do sangue como símbolo que estrutura as relações, esses grupos formam comunidades imaginadas e coalizões que são, ao mesmo tempo, afetivas e políticas. A obra proposta articula imagens e sons de um dia de filmagem. Nele se entrelaçam uma reunião de família em forma de almoço, chamada de Stronger House, com imagens insurgentes de uma manifestação de rua que marcou o conturbado cenário político contemporâneo no Brasil, na semana da deposição da presidente Dilma Rousseff em 2016.

#VoteLGBT
Voçoroca, 2019 | Instalação e ações com o público

Ações, aulas e intervenções em diferentes espaços do Sesc 24 de Maio fazem parte da proposição do grupo. Entre as atividades previstas estão o jogo “Torre do Patriarcado”, o Baile das Gayrotas, projeções contínuas de vídeos sobre diversidade de gênero e assessoria jurídica para pessoas trans e travestis. Duas tiragens de mil lambe-lambes foram produzidas para distribuição e composição do espaço, com informações levantadas durante as pesquisas do projeto.

21ª Bienal de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil | Comunidades Imaginadas
Abertura: 9 de outubro, quarta-feira, às 19h
De 9 de outubro de 2019 a 2 de fevereiro de 2020
Sesc 24 de Maio
Rua 24 de Maio, 109, Centro, São Paulo, 300m do metrô República
Fone: (11) 3350-6300
Horário de funcionamento da unidade
Terça a sábado, das 9h às 21h; domingos e feriados, das 9h às 18h.


Sobre Nelson Granja

Paulistano. Formado em Comunicação Social. Já fiz de tudo um pouco nesta vida e ainda tem muita novidade para aprender. Admiro todas as formas de expressão cultural, mas são as artes visuais (Cinema, Teatro, TV, Séries, Artes Plásticas e Fotografia) que me fascinam. Sou G no LGBTQ+