Os Miseráveis | Filme explora a violenta exclusão social de imigrantes e negros em Paris

Drama policial francês que disputa o Oscar por Melhor Filme Internacional já esta em cartaz no Brasil

Umas das obras mundiais mais famosas da cultura ocidental, Les Misérables, de Victor Hugo, ganhou uma homenagem contemporânea que tem gerado alguma confusão proposital.

O filme do diretor franco-malês Ladj Ly é homônimo do marco da literatura, mas tem em comum com o romance de fins do século XIX apenas o bairro de Montfermeil. Na peça, é onde fica a pousada Thénardier e se passa a trama do jovem acusado de roubar um pão. Ladj manteve o contexto de subúrbio no epicentro dos protestos de Paris em 2005. Sua população vulnerável ainda está abandonada à própria sorte no filme de 2019. Um microcosmos que reflete o estado de minguada cidadania relegada aos imigrantes africanos, especialmente, que vivem nas grandes capitais europeias.

Como porta-voz de uma realidade que conhece intimamente – Ladj Ly nasceu e cresceu em Montfermeil – o jovem realizador expõe o drama do sistema corrupto drenando a vida miserável de indivíduos em situação de alta vulnerabilidade na vida suburbana de Paris.

Uma brigada anti-crime local, formada por policiais afeitos a abuso de autoridade e outros tipos de excessos recebe um novo integrante, Stéphane Ruiz (Damien Bonnard), o oposto convicto dessas práticas. Calado e reflexivo, Stéphane é um policial de ações pensadas. Ao mediar o conflito causados pelas confusões causadas pelo adolescente Issa (Issa Perica), incluindo o roubo de um filhote de leão, Stéphane vai ter que escolher entre a moral do cidadão e as regras de conduta subsequentes à lei. Uma sinuca de bico fartamente explorada pelo audiovisual e que adquire na trama máxima tensão.

O impasse permeia todo o filme e gera questionamentos que não têm resposta clara, naturalmente. Durante um dia, Ly coloca o público imerso nos dilemas profundos deste universo tão familiar a nós, brasileiros. A brutalidade policial, sabemos, nunca é aleatória e acidental. E as vítimas, em geral negros e pobres, cansadas, reagem como podem, mas sempre cientes de que seus direitos estão sendo desrespeitados mais uma vez. Neste caldeirão, os imigrantes árabes acrescentam mais água à fervura. Os adolescentes de Montfermeil se arriscam respondendo, filmando e atirando pedras, mas fazem mais barulho que qualquer outra coisa. Até a situação limite, ou a situação clímax que fecha o longa.

Da abertura com uma França vitoriosa no futebol ao desespero total na luta diária pela própria vida, um imigrante médio vive em um carrossel de emoções para sobreviver, como mostra Ly. Um roteiro praticamente pronto, esperando ser executado.

Na sua realização, Ly desnuda a ilusão de sucesso representada pelo franco-camaronês Mbappé na Copa de 2018 ao desfazer os sonhos dos jovens Issa e seus amigos de superar a opressão a que estão submetidos. A guerra interna em que estão imersos destrói a resiliência já na infância.

Intencionalmente chocante, Os Miseráveis de Ly tece uma narrativa em espiral ao inferno, com o ápice na exposição de Issa violentado moralmente e fisicamente pela selvageria policial. Até que ponto esta petulância ajuda na convergência de soluções para este problema corrosivo de nosso tempo?

Os Miseráveis alcança seu objetivo de denúncia, em alto e bom som. E nos lembra que para se ter progresso civilizatório não é necessário lançar mão de exclusão social. Nem de vidas de criança e adolescentes.

Os Miseráveis tem estreia prevista para 16 de janeiro nos cinemas de todo o país.

Confira o trailer abaixo:

Sobre Magah Machado

Paulistana, designer e analista de informação, entusiasta de expressões artísticas livres e autênticas na dança, cinema, música e fotografia como motores propulsores de mudanças no mindset careta e convencional