Gota D’agua {Preta} | Musical de Chico Buarque ganha releitura com empoderamento negro

Na nova versão, o musical irá explorar o cotidiano das periferias e transita entre o Rap e a MPB. A peça estréia no dia 8 de fevereiro, no Itaú Cultural em São Paulo.

Inspirado na tragédia Medeia, de Eurípedes, Gota D’Água {PRETA} tem como personagem principal Joana, mulher madura, sofrida, moradora de um conjunto habitacional. Jasão, seu ex-marido, é um jovem vigoroso, sambista que desponta para o sucesso com a composição da canção que dá nome à peça. Agora ele é noivo de Alma, filha de Creonte, corruptor por excelência e detentor do poder econômico e das casas da Vila do Meio-dia, local onde antes morou com Joana e os filhos. Se em Medeia havia reis e feiticeiros, na tragédia brasileira tem pobres e macumbeiros, além de um coro negro, em alusão ao grego.

De modo inédito na história do teatro brasileiro Joana, interpretada pela cantora e atriz Juçara Marçal, e Jasão, vivido por Jé Oliveira, são negros. A escolha político-estética do diretor traz a força da musicalidade ancestral e a influência das religiões de matriz africana. “É como se estivéssemos realizando a coerência que a peça sempre pediu e até hoje não havia sido realizada”, observa Jé Oliveira. “A personagem é pobre e é da Umbanda. Tudo leva a crer, pelo contexto histórico, social e racial do país, que essa personagem é preta. Estamos realizando o que a peça insinua. Estamos de fato enegrecendo a obra de Chico Buarque e concretizando o que ele propõe.”

A montagem não busca apenas uma reparação histórica para diminuir um hiato sobre a presença negra em papéis relevantes na dramaturgia nacional, mas sobretudo, propõe uma atualização, com base na coerência, ainda não realizada por nenhuma montagem, do clássico drama brasiliano. “Estamos discutindo traição de classe e de raça”, diz Jé citando a metáfora da traição conjugal. “Ele troca Joana por uma mulher mais nova, então discutimos também o feminismo. Jasão também é preto e com ele debatemos a ascensão social e a legitimidade ética disso.”

Para Juçara, Joana representa a mulher oprimida desde a formação do Brasil. O grito oprimido desta camada da sociedade. As relações humanas servem de pretexto para questionar essas posições sociais, como se cada um de representasse um lugar, um grupo. “Ela é a mulher que foi violentada, agredida. A pessoa sem voz que quer se vingar e não sabe como”, explica a atriz. “Quando Jé resolveu montar Gota D’Água mais preta, a proposta foi trazer o universo da periferia para a cena”, aponta o músico Fernando Alabê.

A comunidade negra traz naturalmente consigo as religiões de matriz africana. Assim, o sagrado também está presente nos elementos musicais. Tem canto de candomblé, de umbanda e o jongo – dança de roda de origem africana com acompanhamento de tambores – serve de base. “Tentamos trazer para a peça a maneira que o negro entende sua divindade”, realça Juçara.

SERVIÇO
Gota D’Água {PRETA}
Estreia: 8 de fevereiro (sexta-feira), às 20h
Temporada: de 9 a 10 (sábado e domingo) e de 14 a 17 de fevereiro
De quinta-feira a sábado, às 20h; domingo às 19h
Local: Itaú Cultural
Avenida Paulista, 149, Estação Brigadeiro do Metrô
Acesso para pessoas com deficiência e interpretação em libras
Entrada gratuita
Mais informações: www.itaucultural.org.br

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