Preconceito dentro e fora da aldeia | Indígenas LGBTQIA+ criam coletivo de resistência

Composto por jovens de diversas etnias, como Tuxá, Boe Bororo, Guajajara, Tupinikim e Terena, o Coletivo Tibira buscar dar visibilidade às narrativas de indígenas gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneros.

A existência de indígenas LGBTQI+ pode ser uma novidade para você, mas eles existem e pedem respeito para cultivar suas origens e também viver suas orientações sexuais sem serem alvos de preconceitos e ataques.

Entre as muitas lutas que os povos nativos enfrentam nesse momento, como a invasão de terras e a retirada de seus direitos, existe uma batalha silenciosa que se abriga por baixo de tradições e estereótipos. Índios não-binários existem, obviamente, e sofrem o peso do preconceito dentro de aldeias e entre a população das grandes cidades. O suicídio entre indígenas é quatro vezes maior que a média nacional e o Coletivo Tibira, grupo que atua pelos direitos LGBTQI+ de índios, alerta que muitos desses suicídios podem ser resultado de homofobia.

Neimar Kiga, idealizador do Coletivo Tibira

O Coletivo reúne jovens com formação superior, diferentes orientações sexuais e oriundos de diversos povos, como os Terena, Tupinikim, Tuxá, Boe Bororo e Guajajara. Em entrevista, Neimar Kiga, idealizador do Coletivo, ressalta a importância do grupo dentro das comunidades, zonas urbanas e redes sociais: “Algumas etnias assumiram narrativas opressoras e discriminatórias com os LGBTs da comunidade. Daí a importância de um espaço segmentado que busca dar visibilidade e informar sobre o assunto”

A ideia do grupo é preservar as ancestralidades e tradições de seus povos e unir a isso os conhecimentos adquiridos na vida acadêmica, alguns dos integrantes já fazem até mesmo pós-graduação e mestrado. Eles querem dar voz aos aldeados e assim gerar inclusão dentro da sociedade, além de levar representatividade àqueles indígenas que se sentem totalmente discriminados. Em entrevista, Danilo Ferreira Alexandre, de 19 anos, explica bem essa questão: “Um dos objetivos do nosso projeto é tornar mais visível a questão da sexualidade no contexto indígena. Porque a falta de representatividade faz a gente se sentir estranho e errado. Mostrar para os indígenas que a gente existe é fundamental para que ninguém se sinta desencaixado.”

A geógrafa e mestranda Tanaíra Sobrinho, integrante do grupo, conta que algumas tribos lidam melhor com a questão da sexualidade não-binária mas que, de qualquer forma, a ideia é capturar para o movimento indígenas mais abertos à questão e assim dar visibilidade.

Em entrevista, Tanaíra conta porque aceitou o convite para se juntar ao movimento: “Eu que sou mulher, indígena e lésbica, prontamente aceitei, já que venho observando a invisibilidade da temática dentro do movimento e comunidades indígenas há algum tempo. Existe um discurso muito forte dentro de algumas comunidades baseadas na moralidade cristã, além do modo de ser indígena de acordo com a tradição de cada etnia, que colocam as pessoas LGBTs em condições de vulnerabilidade, assim como a sociedade não indígena também”.

O próprio nome do coletivo faz menção e relembra um triste capítulo da história do nosso país: a tortura e execução violenta do índio Tibira, pertencente a tribo dos Tupinambás, no estado do Maranhão, em 1614, por ordem de missionários franceses. Esse é o primeiro crime de homofobia registrado no país e, segundo o antropólogo Estevão R. Fernandes, foram as liberdades sexuais praticadas pelo povo Tupinambás um dos motivos para o massacre desse povo na época do Brasil Colônia.

O especialista e autor do livro “Existe Índio Gay? a Colonização da sexualização indígena” ainda afirma que os índios, bem provavelmente, não viam de forma danosa as relações não-binárias dos aldeados.

Essa aceitação sofreu alteração depois de ações opressivas por parte dos colonizadores. “A partir da intervenção moral, há um sistema em que o poder do colonizador faz sentido. O colonizador transforma-se na figura que tem a autoridade maior para dizer a todos o que é realmente certo e o que é errado. Quando você nomeia um comportamento, você também o domina

Sobre Nubia Del Santos

Jornalista por formação, curiosa por natureza. Redatora e assessora de marketing digital. Louca por viagens, cinema, livros, teatro e gatos. Chef na sua cozinha. Acredita no poder do amor e da comunicação para transformar o mundo.