Baixa autoestima contribui para que pessoas de minorias sociais sejam mais ciumentas

‘É normal´. ‘É necessário para manter a relação’. ‘Quem não sente, não está apaixonado’. ‘É uma forma de dizer: eu te amo e não suportaria ver alguém no meu lugar’. ‘Preocupe-se quando eu deixar de sentir’.

Essas são apenas algumas das afirmações que alimentam a romantização que fazemos a respeito do ciúme, mascarando problemáticas psicológicas, emocionais e sociais.

Antes de tudo, é preciso relembrar que a noção de amor e modelo de relacionamento, bem como os códigos de conduta desse sistema, é uma construção social que foi assumindo formatos e expressões diferentes em cada período. A referência que temos hoje, desenvolvida a partir do século XIX, ainda é que os casais se tornam um quando se unem. Isso suscita uma noção, mesmo que não consciente, de posse sobre a outra pessoa.

É imprescindível considerar, como outro fator social, a maneira como as minorias sociais são tratadas. As minorias citadas aqui não têm um caráter quantitativo, referem-se a grupos oprimidos, silenciados e marginalizados socialmente. Mulheres, negros, LGBTs, deficientes, periféricos, dentre outros, desenvolvem-se em espaços onde seus corpos e vidas são vistos como inferiores, marcando nessas pessoas o sentimento de menos valia, de impossibilidade de serem amadas.

A baixa autoestima, de origens diversas e reforçada pelas violências citadas anteriormente, provoca inseguranças e a sensação de desqualificação diante da outra pessoa com quem se relaciona.

Daí surgem fantasmas que constantemente sussurram a possibilidade de uma perda iminente, que a qualquer instante será trocado por alguém mais interessante. Alguém que sempre é algo mais. É o medo do abandono.

Da mesma forma que a baixa autoestima trabalha ativamente para o ciúme, as projeções de conteúdos inconscientes também. Essas projeções podem ser situações que foram traumáticas e a outra pessoa, de alguma forma, ativa essa lembrança. Um exemplo disso é a experiência de já ter sido traído e acreditar que isso acontecerá novamente. Podem ser também desejos reprimidos, atribuídos a quem está com você; ou seja, imaginar que o outro poderá trair quando, na verdade, essa é uma vontade sua.

As projeções a todo momento estarão presentes e elas não são ruins, a partir delas é possível ressignificar essas memórias, efetuar trocas e crescer. Elas passam a ser um problema quando agem de modo contrário.

Todos esses pontos, de algum modo, atuam interligados no mecanismo do ciúme. Uns mais, outros menos. Identificar e compreender as raízes dele é o primeiro passo para a emancipação desse tormento. Aos poucos, aumentar a percepção e observar (sem julgamento) as situações nas quais ele se manifesta. É um exercício gradativo de autoconhecimento.

E quando não é você que sofre de ciúme e, sim, a outra pessoa? Essa compreensão também é importante para ajudá-la. Por outro lado, compreender e tentar auxiliar não é o mesmo que aceitar uma relação abusiva, é preciso avaliar e saber o momento que os limites estão sendo ultrapassados e sair de cena.

E você, é ciumentx? Como você lida? Compartilhe comigo suas experiências.

Sobre Renato Santana

Paulistano, formado em Psicologia e praticante de yoga. Atua como palestrante, consultor e psicólogo clínico. Apaixonado pelas temáticas de gênero, sexualidade e relacionamentos, criou a Rascunhos de Gênero como um espaço de diálogo, produção e compartilhamento de conteúdo a fim de contribuir para uma sociedade mais justa e saudável psiquicamente.