Como anda a autoestima das minorias sociais?

Tudo começa na infância. O reconhecimento que a pessoa tem de si mesma, como ela se vê e percebe no mundo, se inicia nos primeiros anos de vida a partir de um conjunto de vivências. Isso é o processo de autoimagem. O bebê vai se percebendo e interagindo com outras pessoas e, nessa interação, recebe retorno verbal e não-verbal que alimentam esse “autorretrato mental” que ele vai construindo.

A família — em seus mais diversos arranjos — ou cuidadores desempenham uma influência importante na formação e estruturação dessa identidade. Essas pessoas exercem uma função de espelho para a criança, em que serão incorporados os comportamentos dos adultos, os sentimentos pelo modo como são tratadas por eles, etc.

O espaço social também é uma fonte significativa. A escola, comunidade e outros equipamentos sociais transmitem valores e culturas, normas de conduta, aprovam e desaprovam o jeito de ser ao longo de todas as fases de desenvolvimento da vida de alguém.

Dessa maneira, a autoimagem toma forma apoiada na avaliação que a pessoa faz de si com base naquela que os outros fazem dela também. E o valor atribuído nessa avaliação consiste na autoestima.

Outro componente indispensável nessa equação é entender como a sociedade foi constituída historicamente. Uma cultura construída e sustentada, desde o período de colonização do Brasil, em referências eurocentradas. Corpo, traços de personalidade, comportamento e padrões de vida que não correspondem a realidade latino-americana, a nossa realidade. Nesse sentido, a tentativa de enquadramento passa a ser extremamente violenta e opressora.

Agora, pensemos sobre como se constitui a autoestima de quem desenvolve-se num meio onde, mais do que não conseguir atender ao padrão estabelecido, é excluído, sofre discriminações e violações das mais diversas por isso. Como está a autoestima daquele que é colocado à margem? De mulheres, negros, indígenas, LGBTs, deficientes, periféricos, profissionais do sexo, soropositivos? E quando ocorre a interseccionalidade, em que essas pessoas carregam mais de uma dessas identidades, como fica?

Arrisco dizer que, certamente, não vai bem.

A desvalorização que esses grupos sociais sofrem, introjeta neles um senso de inadequação. Inseguranças, sensação de desqualificação e, por consequência, uma atitude perfeccionista na tentativa de reparação; ideias de fracasso, ansiedade, sentimentos de perigo e ameaça.

Sendo assim, pessoas com baixa autoestima não devem se sentirem culpadas. Por outro lado, sair culpando a tudo e todos pelos efeitos dessas vivências não é a melhor saída. Como já nos disse Jean-Paul Sartre: “não importa o que fizeram de mim, o que importa é o que eu faço com o que fizeram de mim.” É assumir uma compreensão dos mecanismos envolvidos na formação dessa autoimagem, tomar consciência de como se sente e, a partir disso, pensar em estratégias de modificação desse estado.

Para essa perspectiva de mudança, assim como o meio social exerce forte influência negativa, ele pode ser utilizado positivamente. Procurar redes de apoio — coletivos, centros comunitários, redes de amigos, ajuda profissional de um terapeuta — que possam aceitar e fortalecer essa identidade; compartilhar experiências e sentimentos semelhantes auxilia na ressignificação da autoimagem.

O suporte coletivo funciona não apenas como um espaço de acolhimento, mas também como um instrumento de reconhecimento de outras formas de expressão da diversidade humana para além daquelas impostas pelos sistemas hegemônicos. É um espaço de reconstrução e legitimação dessas identidades.

Sobre Renato Santana

Paulistano, formado em Psicologia e praticante de yoga. Atua como palestrante, consultor e psicólogo clínico. Apaixonado pelas temáticas de gênero, sexualidade e relacionamentos, criou a Rascunhos de Gênero como um espaço de diálogo, produção e compartilhamento de conteúdo a fim de contribuir para uma sociedade mais justa e saudável psiquicamente.