Lucas Hedges, Nicole Kidman e Russel Crowe (dir) estão em Boy Erased

Boy Erased | Confira a crítica do filme que teve o seu lançamento cancelado no Brasil

Com estreia cancelada nos cinemas brasileiros, o filme sobre jovem submetido a “cura gay” será lançado apenas em DVD.

Desde 1899, quando o psiquiatra alemão Albert von Schrenck-Nhotzing apresentou pela primeira vez um chocante tratamento de “cura gay” por meio de 45 sessões de hipnose combinado com visitas monitoradas a um prostíbulo, a chamada “terapia de conversão” ou “terapia reparativa” emerge em novas e bizarras roupagens. E como estamos novamente vivendo tempos sombrios, de obscurantismo científico e anti-intelectualismo, chegou a nossa vez de lidar abertamente com esta assombração.

O ator e diretor australiano Joel Edgerton é um dos que resolveu jogar luz sobre o tema. Em entrevista, Edgerton afirma que sua película tem o objetivo de “educar as pessoas sobre os perigos da terapia de conversão e inspirar a que outros sobreviventes compartilhem suas histórias”. Para tanto, Joel retrata os infames centros de tratamento de cura gay administrados por igrejas evangélicas de diferentes vertentes. A sua lupa se debruça, porém, apenas sobre os efeitos nas famílias da comunidade servida por estas instituições, fazendo de Boy Erased: uma verdade anulada (2018) um estéril microcosmo em um oceano de crenças limitantes.

Acompanhamos o drama do jovem Jared Eamons (Lucas Hedges) no momento em que ele desestabiliza sua família ao assumir sua homosexualidade, aos 19 anos. Confuso com a descoberta, é pressionado pelo seu pai Marshall (Russell Crowe), pastor de uma igreja batista, a seguir a “terapia de conversão” de caráter religioso. Sua mãe, Nancy (Nicole Kidman), divide-se entre amparar o filho em suas dúvidas ou contrapor-se abertamente, apoiando a posição do marido. Mas, representando a submissão das mulheres na dinâmica das famílias patriarcais e heteronormativas, Nancy vai prover, com ternura, o apoio material e emocional a seu filho durante o período terapêutico.

O desfile de atrocidades a que o jovem Jared é submetido no centro dirigido por Victor Sykes (o próprio Joel Edgerton) causa pura repulsa, mesmo com uma direção que se contenta em apenas dar suporte à narrativa. Tudo é demasiado ensaiado, calculado e pasteurizado. O mote absurdo da terapia – “finja até conseguir” (fake-it till you make-it) – dá uma pálida ideia da falaciosa reprogramação neural em que se baseia. São os filtros para um público conservador nos costumes.

Para preservar a família, Edgerton cobriu Nancy e Marshall com um verniz tenro e colocou na conta de Victor Sykes toda a responsabilidade. Os amores e decepções vividos na faculdade por Jared não passam isentos e são os pontos fortes da narrativa, apesar da montagem irregular.

Nicole Kidman e Lucas Hedges em cena de Boy Erased

Contudo, se o fraco roteiro de Edgerton, baseado no livro homônimo de memórias de Garrard Conley, pudesse suscitar alguma fagulha de revolta, o filme subiria muitos degraus. A escolha por um ponto de vista de mero observador, sem interferir nas ações e tampouco apontar enlaces, tira muito da força do tema. Destaque para o arco de Lucas, com uma estrutura um pouco mais muscular e que se mantem de pé ao longo da trama.

O elenco do longa, no geral, tende a construir personagens próximos do autêntico americano médio, defensores da família e de suas crenças acima de tudo. Os pais de Lucas são amorosos e zelosos, mas suas visões de mundo se comprovarão prejudiciais para o futuro do filho e a dupla Crowe/Kidman entrega bem estas personas.

Mesmo com algum esforço para acompanhar um Russel Crowe canastrão, o ator neo-zeolandês se redime no final, salvando a conclusão da história de uma pieguice apontando ali na esquina. O think-tank foi abalado. Sem dúvida, é a performance de Lucas Hedges o que aglutina as atuações dos coadjuvantes e irriga alguma emoção mais genuína. Sua atuação em Manchester à Beira-Mar (2016), contundente e merecedora da nomeação ao Oscar, rende frutos em Boy Erased. Kidman enriquece sua recatada e careta Nancy com expressividade, revelando o desejo latente da mãe pela felicidade, qualquer uma, de seu único filho. Eleva o tom ao reagir em defesa de um jovem humilhado, sufocado em sua frustração, mas não chega a causar uma mudança mais drástica.

A música de Danny Bensi pontua a previsibilidade da trama e ajuda o público a esquecer o insonso enredo.

Lucas Hedges sobrevive à cura gay em Boy Erased

Em seu caráter informativo, Boy Erased acerta em expor estes deploráveis centros de tratamento de cura gay e toda a crueldade infligida a homens e mulheres já suficientemente machucados. Porém, falha em dar a dimensão adequada da perigosa situação. Come pelas beiradas, deixando muitas pontas soltas. Fica a impressão de que sua hesitação em se posicionar não cabe ao tema que escolheu debater, neste momento histórico.

Por tudo isso, é um triste sinal dos tempos toda a polêmica envolvendo o filme aqui no Brasil, com seu lançamento cancelado pela Universal (a distribuidora de filmes, não a igreja), alegadamente, por motivos comerciais. Dada todo a trajetória do chamado projeto da Cura Gay no nosso Congresso, é sintomático que esta ação tenha se concretizado agora, semeando discórdia e repúdio por um motivo de crença, não de fato. Na resistência, Boy Erased segue ao lado da democracia e do respeito à diversidade, em todas as suas esferas. E contra censuras veladas.

Boy Erased: uma verdade anulada não estará em nenhum cinema perto de você. A Universal Pictures fará o lançamento do longa apenas em DVD em 17 de abril.

Confira o trailer:

https://www.youtube.com/watch?v=yGQepjVHXnc

Sobre Magah Machado

Paulistana, designer e analista de informação, entusiasta de expressões artísticas livres e autênticas na dança, cinema, música e fotografia como motores propulsores de mudanças no mindset careta e convencional