Meritocracia: o senhor conseguiu porque trabalhou? Ou porque seu pai te deu?

O episódio de racismo vivido pelo motoboy Matheus Pires nesta sexta (7), escancara o falso discurso da meritocracia que convenientemente é ecoado pela elite brasileira

Na última sexta-feira (07/08) circulou nas redes sociais e veículos de comunicação um vídeo onde motoboy Matheus Pires, 19, é alvo de racismo e humilhações por parte do contabilista Matheus Abreu Almeida Prado Couto, 31. No vídeo, o contabilista alega que o motoboy tem inveja de sua casa, de sua condição social e de sua cor (branca). Matheus Couto, de família abastada, não precisou cursar nível superior, ou trabalhar arduamente (se fosse esse o caso) para se tornar herdeiro de um patrimônio milionário.

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Repodução: instagram Mídia Ninja

Ao longo da cena absurda de racismo o contabilista afirma que Matheus Pires nunca terá o que ele tem. O motoboy, defendendo-se dos ataques pergunta “o senhor conseguiu por que? Porque o seu pai te deu? Ou porque você trabalhou?

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Muitas situações parecidas vêm sendo divulgadas nas redes sociais nos últimos meses. Como por exemplo, o caso do ataque de uma mulher e seu esposo, repreendidos por estarem sem máscara, a um funcionário da prefeitura do Rio de Janeiro. Outro exemplo são as ofensas dispensadas a um policial por um morador rico do Alphaville. Também os ataques verbais proferidos por um desembargador a um guarda municipal que lhe aplicou uma multa (o desembargador amaçou e atirou a multa contra o guarda) por circular sem máscara. Todos alegando superioridade devido à condição social, econômica ou grau de escolaridade.

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Reprodução: instagram Mídia Ninja

Parece só uma pergunta emocionada, a que foi feita pelo motoboy, uma tentativa de defesa diante do tamanho e brutal ato de racismo proferido contra Matheus Pires, mas esse é um questionamento que todos e todas devemos fazer. Uma rápida análise sobre a meritocracia nos ajudará a compreender melhor o questionamento feito pela vítima.

A meritocracia, grosso modo, é a crença de que todos e todas devem alcançar seus objetivos baseados (as) unicamente em seu esforço. Segundo esse discurso, o fato de nem todos e todas acessarem igualmente espaços de poder e saber, de nem todos e todas terem uma condição de vida abastada, ou mesmo digna, seria falta de esforço e não produto das desigualdades raciais, econômicas e sociais vigentes nesse país.

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Para o discurso meritocrático, ricos e pobres, brancos e pretos, estudantes de escola pública e de escolas particulares têm as mesmas oportunidades e qualquer falha ao atingir um objetivo é demérito desse indivíduo e não causada por motivos óbvios.

Segundo a Agência Brasil, o maior índice de analfabetos está entre a população preta (9,1%) e periférica, enquanto pessoas brancas (3,9%), dados de 2018. Apesar dos avanços, o número de pessoas pretas que concluem o ensino médio ainda é totalmente desproporcional ao de pessoas brancas. Pessoas pretas ainda recebem menos, apesar de muitas vezes possuírem melhor formação acadêmica, para exercer a mesma função que pessoas brancas.

Pessoas brancas, mesmo que pobres, lidam com um problema a menos em seu cotidiano, o racismo. Jovens de classe média e classe alta tem acesso à educação de melhor qualidade devido à estrutura, tecnologia e qualidade de vida que não estão ao alcance das pessoas pretas e pobres, na maioria das vezes.

Aliadas à pergunta feita por Matheus Pires devemos fazer as seguintes perguntas: a quem interessa o discurso da meritocracia? Quais os objetivos desse discurso?

Levando em conta que os espaços de poder e saber deste país foram ocupados historicamente pela elite brasileira, não fica difícil responder as perguntas acima. O discurso meritocrático interessa somente à elite rica e branca deste país, para que os espaços de promoção de ascensão econômica e social sejam ocupados unicamente por seus herdeiros e herdeiras.

Para que, como disse o contabilista Matheus Couto (que cometeu crime de racismo), pessoas como Matheus Pires (o motoboy) não tenham condição de vida digna, permanecendo em lugar de subalternidade e exploração, servindo como base para manutenção do status quo.

Enquanto nossa sociedade for desigual e injusta, precisaremos de medidas que permitam às classes injustiçadas uma reparação dos danos causados às mesmas. Medidas (políticas de ações afirmativas, por exemplo) que lhes permitam ou lhes proporcionem mais equidade na sua luta diária para a conquista de seus sonhos e objetivos, para a conquista de seu direito à vida, uma vida mais digna e justa.

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