Diamantino | Sátira luso-brasileira mostra mundo vazio e desconectado das celebridades

Um jogador de futebol mundialmente famoso, Diamantino (Carloto Cotta), é o condutor desta narrativa satírica sobre seu próprio fracasso em campo em um Mundial contra o Chile. As consequências deste evento para sua vida de celebridade lhe colocam como uma presa vulnerável tanto para suas irmãs gêmeas ambiciosas quanto para uma estranha dupla de mercenárias agentes de espionagem.

As díades vão se contrapor em seus planos para dominá-lo e tirar proveito de sua fragilidade: enquanto as primeiras o inserem em um bizarro programa de clonagem genética (para fazer referência ao uso de doping no esporte) e dentro de uma campanha maior para que Portugal deixe a União Europeia (acenando para o avanço de ideologias de extrema direita), as espiãs vão se infiltrar em sua rotina por meio de uma pegadinha relacionada a refugiados africanos para apurar informações de negócios suspeitos que possam ser lucrativamente vendidas. O detalhe grotesco é que o QI de Diamantino tem um dígito e sua percepção sobre estes temas contemporâneos é, em si, o longa.

Diamantino foi o vencedor da Semana da Crítica em Cannes deste ano, que acontece simultaneamente ao Festival de Cannes, para apoiar diretores em início de carreira. O diretor dinamarquês Joachim Trier (Thelma, 2017) com seu sobrenome famoso devido a um parentesco paterno distante com o icônico diretor Lars von Trier, foi o presidente do juri.

Gabriel Abrantes, o diretor, e Daniel Schmidt, roteirista, partiram de dois ensaios (links em inglês) do romancista americano David Foster Wallace, conhecido por textos irônicos, com paródias e ricos em metalinguagens para criarem a história do filme. Os dois são sobre estrelas do tênis: um sobre Roger Federer e outro sobre a americana Tracy Austin.

Abrantes e Schmidt transferem do tênis para o futebol as impressões de reverência e desapontamento com o divino. A amplamente conhecida tese da sublimação da arte como instrumento para reforçar a fé dos fiéis na Renascença, em uma releitura simplória de Diamantino, abre a sátira. Ao mesmo tempo, saímos do espaço sideral, uma maravilha criada por um Ser Superior e viajamos até o epicentro do maior acontecimento da Terra que galvaniza a vida no planeta azul: uma final de campeonato mundial. Uma criação do homem, igualmente genial.

Dotado de seu poder excelso, Diamantino não sobreviverá, porém, fora do esporte. O como disto acontecer é um arremedo de colagens hodiernas alinhadas casualmente, pulverizaras com alguns toques de surrealismo em uma montagem com sequências propositadamente toscas. Uma combinação que causa um estranhamento sem fim no espectador, deixando a risada em suspenso.

O elenco se limita ao que o papel caricato exige, mas o destaque é, sem dúvida, Carlotto Cotta. Em sua recriação de uma figura pública como Cristiano Ronaldo, em livre inspiração, o expressivo ator português consegue estilizar os trejeitos e expressões necessárias para convencer o público de sua inocente e frívola existência. Com um sotaque acentuado que remete à ilha de São Miguel, nos Açores, Cotta dá a mesma modulação e cadência tanto à narração em off quanto em sua atuação, criando uma assinatura musical distinguível de seu personagem. A expressão corporal exagerada soa ridícula como requer uma sátira e, portanto, é a meta plenamente atingida que vai divertir a todos.

Porém, toda esta entrega de Cotta não é suficiente para levantar o filme, um fardo em suas costas. A alucinação de cães llasa apso gigantes em campo horrorizando o atleta é o que ficará na memória recente. E depois se apagará completamente.

Diamantino tem previsão de estreia em 20 de dezembro nos cinemas de todo o país. Confira o trailer abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=Xc6MjA3cpA8

Sobre Magah Machado

Paulistana, designer e analista de informação, entusiasta de expressões artísticas livres e autênticas na dança, cinema, música e fotografia como motores propulsores de mudanças no mindset careta e convencional