A hiperssexualização do corpo preto

O tal do “negão pauzudo” | Como o culto pelo pênis contribui para a objetificação do homem preto

“Hoje eu só queria um negão”, “Ele vai acabar com você”, “Vai sair de cadeira de rodas, hein?!”, “É verdade que todo negão é dotado?”. Entenda o impacto do falocentrismo na vida dos homens pretos

O pênis, ao longo da história, sempre esteve imbuído de diversos significados, sendo representado em diversos momentos através de pinturas, esculturas, poemas etc.

Em Pompéia o pênis ou falo simbolizava fertilidade, proteção contra o mal, fartura ou abundância. Em Atenas, o pênis tinha relação estrita com poder, condição social e política de um indivíduo.

“Campanhias de Pompéia”. Tintinnabulum. Museo Arqueológico de Nápoles (reprodução: menearte)

Para os atenienses ativos e passivos não eram só uma expressão do desejo íntimo e interno de cada pessoa, eram representações de poder e posição naquela sociedade, sendo o ativo (aquele que penetra) sempre o que estava em posição social, política e econômica favorecida, enquanto mulheres, jovens imaturos, escravizados assumiam a condição de passivos (aqueles que são penetrados), sexualmente e socialmente. A introdução do falo representava poder.

Zeus e seu copeiro Ganimedes (reprodução: aminoapps)

Nas sociedades escravistas coloniais os homens negros eram vendidos como mercadoria. Ao se fazer a análise do “produto” uma das recomendações era verificar a condição do corpo e o desenvolvimento da genitália. Respeitando as devidas proporções temporais, parece que o imaginário social, indústria do prazer sexual e indústria pornográfica constituem mercados escravistas modernos que prezam só e acima de tudo pela condição do corpo negro e pelo tamanho do pau, reduzindo o homem preto a tais características.

Mercado de escravos. Domínio público

É “comum”, na indústria do entretenimento sexual, na indústria pornográfica, entre outras, homens negros serem apresentados de forma hiperssexualizada, animalizada, como estupradores, como indivíduos violentos, desprovidos de emoções ou mesmo características sentimentais (em outra pauta pode-se falar de como a pornografia é machista e nociva às mulheres). Com seus paus enormes com objetivo único de dar prazer a pessoas brancas.

Tais representações ou mesmo imaginações estão impregnadas de racismo, estigmas e estereótipos. O tempo todo o homem negro é despido de suas subjetividades para ficar nu diante de um imaginário racista e sexista que os vê apenas como objeto de realização do prazer, mas os descarta quando se trata de compromissos, relacionamentos ou envolvimentos afetivos.

Cena de filme pornográfico (reprodução: imagens google)

Frases como “negão pauzudo”, “negão pirocudo”, “terceira perna”, “queria um negão pra me pegar de jeito”, “aquele negão deve ser bom de cama” são sempre direcionadas a homens negros e a seus corpos.

Objetificação do homem preto (reprodução: mercado livre)

Tais falas e atitudes em relação aos homens pretos podem parecer elogiosas, já que vivemos em uma sociedade falocêntrica, onde o pênis ou tamanho do pênis é supervalorizado. Mas essas falas nada têm de elogiosas. Reproduzem um comportamento racista e colonialista à medida que só enxergam o homem preto ou só o põe em evidência como objeto sexual, como aquele que está sempre disponível para o “serviço”, aquele que é insaciável, ignorando completamente sua subjetividade, seu todo.

O povo preto sempre enfrentou enormes dificuldades para compreender e vivenciar sua identidade, pois o colonizador do passado dizia o que era o corpo preto e para que ele servia. Atualmente, o imaginário, a pornografia, as redes sociais é quem tentam ditar que são os pretos e para que eles servem. Corpos pretos ainda são postos à mostra para serem analisados. Existe um sistema que ainda lucra com a venda de corpos pretos, a pornografia.

“Sim, pornografia é racista” (reprodução: arquivoradical)

A nossa luta antirracista, dentre outras coisas, passa pela problematização e enfrentamento dos estigmas que nos são ditados diariamente. Passa pela desconstrução da objetificação do corpo preto, passa pelo combate ao sexismo e hiperssexualização desses corpos. É preciso que nos vistamos com nossa subjetividade e nossa identidade e nos oponhamos (todos nós) àqueles, aos sistemas, que querem nos despir de nossa humanidade.

E você leitor, já passou por alguma situação assim ou presenciou? Compartilhe suas experiência com a gente através dos comentários!

Sobre Misael Lacerda

Preto, gay, graduando em História, professor, antifascista e antirrascista. Aspirante a escritor, amante da leitura e metido a cozinheiro. Amo tudo que é previsivelmente espontâneo.