Intimidade entre estranhos | Drama sobre desilusão, desejo e solidão chega aos cinemas

O diretor José Alvarenga Jr. é prata da casa no núcleo de dramaturgia da TV Globo com vasto curriculum que inclui desde os filmes dos Trapalhões no final dos anos 80 até a série adolescente Malhação. Em Intimidade entre estranhos ele mostra seu ponto de vista para uma narrativa de relacionamentos conturbados entre pessoas francamente disfuncionais. Alvarenga partiu de uma antiga sugestão de Frejat, que lhe indicou a música que compôs com Leoni em 2008 e que dá título também a seu terceiro trabalho.

A vitrinista Maria (Rafaela Mandelli) muda-se de São Paulo para o Rio de Janeiro pois seu namorado Pedro (Milhem Cortaz) é a estrela em uma mini série de TV que lhe abrirá portas para o sucesso que tanto ambiciona. Porém, ao se instalar no apartamento alugado por Pedro, tem que lidar com o jovem Horácio (Gabriel Contente), uma figura singular com uma função social mais singular ainda: síndico e dono do prédio com o único apartamento ocupado pelo casal de inquilinos. Para uma primeira mediação entre Horácio e a recém chegada Maria, foi escalado José Dumont, em um papel menor como o porteiro Seu Zé.

Apenas por esta aparição de Dumont é possível perceber a simplicidade do roteiro de Matheus Souza (Confissões de Adolescente, 2013). Os poucos diálogos entre Maria e um sisudo Seu Zé já entregam quase toda história: ela tem alguma dor a ser trabalhada em seu retorno à cidade e o jovem síndico autoritário fará a alavancagem dessa superação. O resto da trama depende inteiramente de Rafaela Mandelli convencer que seu trauma é tão importante e profundo como Maria diz ser. Porém, muitas questões apresentadas não são bem desenvolvidas, dando uma superficialidade às situações barra-pesada por que passou.

O filme aponta para questões graves como suicídio, violência contra a mulher, alcoolismo, amor abusivo, vício por remédios. Extrai o sofrimento em cada uma brevemente, mas não as integra para aprofundar a personagem de Rafaela. Com exceção da boa narrativa da busca pela colônia pós-barba que seu pai usava quando ela era criança, seu padecimento foi pasteurizado. O foco do filme é total na desilusão do amor, no desejo e na solidão enquanto a música tema se constrói.

Gabriel Contente é Horácio e José Dumont o porteiro Seu José em Intimidade entre Estranhos.

No desenvolver do longa a dinâmica entre Maria e Horácio chega a ganhar algum fôlego e despertar a curiosidade do espectador, porém vemos a previsibilidade logo adiante. Há uma notável falta de alteridade, já que os três personagens principais continuam cometendo os mesmos erros depois de suas vidas se entrecruzarem, cada qual com seu fardo a ser carregado. Não há empatia entre eles. Ao contrário. Maria é mais uma manipuladora egocêntrica que, de fato, traz alguma transformação para o aparentemente frágil Horácio, porém a um custo alto de uma traição, que poderia ser melhor explorada no filme.

O elemento de ligação entre inquilina e síndico é a piscina do prédio. Maria revela-se em seus pensamentos enquanto é vista do terceiro andar por Horácio. Oferece sua intimidade. Mas, a câmera aposta em clichés visuais que pouco acrescentam. O que se salva é a decisiva intervenção de Horário quando Pedro se atreve a invadir esta extensão de seu apartamento e de seus desejos. O prédio, a piscina, Maria, são sua propriedade. Pedro é o estranho que desequilibra esta equação e, portanto, algumas vezes é mostrado de lado, à parte, a ponto de ser excluído.

A câmera objetiva em Maria é predominante, combinada com uma câmera mais vezes subjetiva em Horácio, demonstrando também sua introspecção e maior dificuldade social. Quando os dois estão no topo do prédio, aos poucos a câmera se distancia e desce para afirmar a grande cumplicidade de relações que se estabeleceu entre eles. Estranhos com intimidade.

Com outras possibilidades enriquecedoras e intrigantes para finalizar a história, foi escolhida a mais fácil, que pode trazer decepções para o espectador que tomou as dores de um ou de outro personagem. Um desfecho que aproveita, ainda bem, o potencial musical da trama, com o tema principal de Frejat e Leoni, Intimidade entre estranhos, embalando a saída do cinema.

Intimidade entre estranhos tem previsão de estreia em 13 de dezembro nos cinemas de todo o país. Confira o trailer abaixo:

Sobre Magah Machado

Paulistana, designer e analista de informação, entusiasta de expressões artísticas livres e autênticas na dança, cinema, música e fotografia como motores propulsores de mudanças no mindset careta e convencional