Além do arco-íris: o primeiro mês do governo Bolsonaro e os direitos LGBT’s

Totó, acho que não estamos mais no Kansas (ou nas pautas do governo)

A vitória do candidato Jair Bolsonaro trouxe alarde e preocupação para o movimento LGBT, o risco de extinguir direitos conquistados a duras penas deu início a mutirões de casamentos homoafetivos e retificação de documentos de pessoas trans e travestis pelo Brasil. A sensação de insegurança pode ser descrita como se um tornado estivesse prestes a nos levar embora.

O motivo é claro, ao longo de sua extensa carreira política, Bolsonaro sempre foi claro e objetivo em seus posicionamentos sobre o assunto, alegando que “dar um couro” pode mudar o comportamento “meio gayzinho” de um filho, além de um de seus principais elementos da campanha eleitoral ter sido construído sobre a polêmica do inexistente kit-gay.

But, Janeiro has arrived.

O primeiro mês de seu governo foi marcado por decisões desfeitas, pela criação de “anti-ministérios”, atestados médicos e polêmicas envolvendo movimentações bancárias de sua família e funcionários, e tudo graças às pessoas que ficam “torcendo contra o seu sucesso”.

Mas, o que já aconteceu em relação à postura do governo frente às demandas LGBT’s?

No dia seguinte à posse presidencial (onde reafirmou seu compromisso de combater a “ideologia” de gênero), a primeira medida provisória (MP nº 870/2019) adotada por Jair Bolsonaro levantou questionamentos em razão da ausência de previsão dos direitos da comunidade LGBT, em seu art. 43, inciso I, que estabelece o rol de grupos para a criação de políticas e diretrizes de inclusão específicas, áreas de competência do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, chefiado pela ministra Damares Alves. E que, diante das polêmicas, esclareceu em sua posse do ministério que a pasta pertenceria à Secretaria de Proteção Global, vinculada ao seu Ministério.

Hm… ok, kkk. Mas como era?

Durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), a secretaria especial dos direitos humanos, vinculada ao Ministério de Direitos Humanos, era incumbida de formular políticas e diretrizes voltadas à promoção dos direitos da “população de LGBT e minorias”, de acordo com o art. 24 (coincidência? acredito que não), da Lei de nº 10.683/2003.

Na era Temer, após o “grande acordo nacional” (aquele com o supremo e com tudo…), Michel Temer decidiu extinguir a pasta mas depois “recriou” o Ministério dos Direitos Humanos, e lhe incumbiu a promoção dos “direitos das minorias”, conforme art. 35, inciso I, alíena e da Lei de nº 13.502/2017. Mesmo citando “minorias” de forma generalizada, o Decreto nº 9.122/2017, estabelecia os direitos da comunidade LGBT, através da Diretoria de Promoção dos Direitos de LGBTs, ou seja, contando com uma secretaria específica, inclusive.

Porém, na atual medida provisória, essas garantias sequer são mencionadas.

E em menos de um mês de governo, não se tratou de um fato isolado.

Janeiro é o mês da visibilidade trans, segmento do movimento LGBT que lidera os índices de violência e vulnerabilidade, e são os seus direitos (mais especificamente) que têm estado sobre a mira do governo vigente (e não choca ninguém). O discurso da ministra Damares sobre o combate à ideologia de gênero e a garantia da “ordem social”, a qual meninos vestem azul e meninas vestem rosa, viralizou pelas redes sociais provocando diversas reações, protestos e memes. O “the bosh” com a ministra circulou, porém, por trás de sua declaração, há uma mensagem objetiva e nada engraçada que estabelece a moral sexual do atual governo, que vincula as identidades à anatomia genital, exclusivamente, e legitima a binaridade e as desigualdades de gênero.

Logo, não reconhece as identidades trans e travestis.

O não reconhecimento se alinha com o atual posicionamento do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que afirmou que as políticas de prevenção do HIV e das IST’s (infecções sexualmente transmissíveis) não devem ofender as famílias, e depois, retirou injustificadamente a cartilha específica de saúde para homens trans e exonerou a diretora do departamento de HIV/AIDS. Ainda em Janeiro, o governador de Santa Catarina, Carlos Moisés da Silva (PSL), vetou um projeto de lei que garantia o uso do nome social de transexuais e travestis nos espaços da administração pública de Santa Catarina (e depois voltou atrás, atitude que tem se demonstrado rotineira em seu partido)

Simultaneamente, nas redes virtuais, Luisa Marilac foi vítima de comentários transfóbicos do Nego do Borel, e teve sua identidade desrespeitada logo após tecer elogios ao cantor. Em Campinas, uma travesti foi assassinada e teve seu coração arrancado pelo seu algoz por considerá-la um “demônio”. Mas é o cantor (que apoiou o atual governo) que está com medo de sofrer agressão na rua.

Este tem sido o primeiro do governo Bolsonaro.

Este tem sido o mês da visibilidade trans, no país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo.

Mas, e agora, senta e chora?

Não, amore, a gente até pode chorar, principalmente ao considerarmos a renúncia do deputado federal LGBT, Jean Wyllys (co-autor do projeto de lei João Nery, que reconhece direitos à população trans e travesti), motivada por ameaças de morte, mesmo tendo ganhado processos judiciais por tentativas de ofender sua honra, recentemente.

Mas como Cleve Jones (ativista LGBT) pontua, estamos entrando em um período de caos político, e desse caos está o potencial para um grande mal, mas há também a possibilidade de um grande bem, dependendo da forma em que nos articulamos. O suplente de Jean, David Miranda, foi vereador do Rio de Janeiro, colega de Marielle, negro, cresceu em favela e é casado com o jornalista americano Glenn Greenwald, que revelou o esquema de espionagem dos Estados Unidos descoberto por Edward Snowden em 2013, ele disputou a primeira eleição em 2016. David sempre foi opositor declarado do atual governo e postou a seguinte mensagem ao presidente: “Respeite o Jean, Jair, e segura sua empolgação. Sai um LGBT mas entra outro, e que vem do Jacarezinho. Outro que em 2 anos aprovou mais projetos que você em 28. Nos vemos em Brasília.”

De acordo com o professor Renan Quinalha (UNIFESP), o movimento LGBT precisa se reinventar. Anteriormente, os obstáculos no reconhecimento de nossos direitos se concentravam no poder legislativo, e agora o executivo também declarou essa postura. Assim, para o advogado e professor Dimitri Sales (Presidente do CONPEDE), é necessário ocupar os espaços políticos de forma estratégica e inteligente, frente ao atual cenário brasileiro, que limita os espaços de disputa para avanços no reconhecimento da cidadania LGBT, de forma multidisciplinar e em unidade.

Embora o governo já tenha apresentado instabilidades, atestados médicos, seu posicionamento diante da temática LGBT é firme, claro e objetivo.

Resta ao movimento LGBT se reestruturar e potencializar a busca por um lugar além do arco-íris, de forma consciente e estratégica, evitando que os tons de sépia dominem todo o cenário e os sonhos que ousamos sonhar permaneçam inalcançáveis bem lá no alto. Afinal, direitos não são conquistados com o bater dos calcanhares em sapatos baphônicos, mas são decorrentes de uma longa caminhada por uma estrada de tijolos tortuosos que já começou há MUITO tempo.

E a gente não pode parar.

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