Super Pais | Após adoção, psicólogo escreve livros infantis que contemplam a dupla paternidade

Alexandre e Renato sentiram falta de livros infantis que contemplassem a sua estrutura familiar e criaram histórias onde existem dois papais para ensinar as crianças que existe mais de uma forma de se constituir uma família.

Com apenas quinze dias de vida a garotinha Sara, 4, estava na maternidade da cidade São José (SC), quando foi adotada por Alexandre de Souza Amorim e Renato Oliveira, 34. Eles foram o primeiro casal gay a adotar uma criança recém-nascida ainda na maternidade, na cidade litorânea que fica próxima a Florianópolis.

Mestre em psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e escritor de livros infantis, Amorim conta que o trajeto para a adoção não foi conturbado.

Por parte das assistentes sociais e dos psicólogos que os acompanhavam, até o começo da história que aconteceu na Vara de Infância e Juventude da cidade, tudo ocorreu da maneira mais correta possível.

“Nós não tivemos nenhum tipo de complicação durante o processo de adoção. Não sentimos descriminação por parte das assistentes sociais e nem quando fomos até a Vara de Infância e Juventude. Muito pelo contrário, foram sempre gentis”, comenta.

As dificuldades ocorreram durante a aproximação do casal com a criança na maternidade da cidade catarinense. Elias e Amorim foram barrados por porteiros no hospital e sofreram com preconceitos por parte da equipe de enfermagem.

“No hospital nós tivemos que enfrentar uma barra bem pesada. Preconceitos institucionais e dos profissionais. O porteiro não deixava dois homens entrarem naquela parte do hospital e as enfermeiras não queriam nossa presença por muito tempo. Não nos tratavam como pais da bebê”, diz o escritor.

A primeira adoção feita por um casal gay no Brasil ocorreu em 2005, na cidade de Catanduva. A menina Theodora tinha cinco anos quando foi adotada pelos cabeleireiros Vasco Pedro da Gama e Júnior de Carvalho.

Um marco na conquista de direitos para a comunidade LGBTQIA+ no Brasil, a adoção legal só foi reconhecida pelo STJ (Supremo Tribunal de Justiça) em 2010 após o caso de duas mulheres que conseguiram o direito à adoção reconhecido pela Justiça Federal do Rio Grande do Sul.

O caso chegou até o Ministério Público do estado, que recorreu da decisão. O STJ negou o pedido ao compreender que nesse tipo de caso, deve prevalecer a vontade da criança.

DUPLA PATERNIDADE

A dupla paternidade é quando dois homens exercem a função de pai. Mas ela não é exclusiva de pais gays.

O reconhecimento da criança ou do jovem, se dá pela ligação sócio afetiva. Ou seja, uma pessoa pode ter o nome de dois homens no RG, mas, não necessariamente eles precisam ser maridos, podem ser um avô e o pai, um padrasto e um avô.

No entanto, essa não é realidade do Brasil. De acordo com dados coletados pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), baseado no Censo Escolar feito em 2011, cerca de 5,5 milhões de crianças e jovens brasileiros não tem o nome do pai na certidão de nascimento.

“O próprio conceito de paternidade é algo complexo. É determinado pelo período histórico e o contexto social que estamos falando. Então todas as funções, valores, sentidos, responsabilidades e comprometimentos delegados a função de pai, sofrem transformações com o passar do tempo. Ser pai e exercer a paternidade hoje é diferente de antigamente”, comenta Amorim.

O psicólogo explica que há múltiplas maneiras de paternidade. Porém, o vínculo só existe quando há uma relação.

Características determinantes que demonstram uma aproximação paternal são das mais variadas. O pai pode demonstrar orgulho, ser ocupado, engraçado, muitas vezes autoritário ou super protetor.

Em alguns casos existem pais que acumulam todas essas funções, mas há também aqueles que faltam.

“Existem múltiplas maneiras de ser pai. O que não podemos esquecer é que ele também é humano”, comenta.

A adoção também é vista como tabu. Existe uma ideia pré-concebida que filhos adotados não se dão bem com os pais. Na verdade, não há medida e nem como será um relacionamento, afinal, muitos filhos brigam com seus pais, mesmo não sendo adotados.

A falta de apoio por parte da família também é algo recorrente. O casal teve problema com os pais durante a vida e contam que não obtiveram o suporte necessário.

“Os dois exercem a paternidade a sua maneira. Mesmo não tendo apoio da nossa família no começo e com pouca ajuda, os dois se completam”, diz.

OS LIVROS

Numa sociedade machista, ser pai de menina é diferente. Desconstruir o machismo e mostrar que não existe um padrão que foi imposto pela sociedade é uma das tarefas que são colocadas em prática na vida de Sara.

“Uma vez na Ri Happy, estávamos olhando todos os brinquedos e a Sara viu um boneco e uma máscara do Homem-Aranha, quando uma vendedora apareceu falando que o corredor de meninas era do outro lado. Nossa filha falou que não estava no corredor dos meninos, estava no corredor de brinquedos”, comenta o escritor.

Desde pequena a garotinha é estimulada à leitura. Mas a falta de representação na literatura brasileira sobre o meio que uma criança adotada por pais LGBTQIA+ é muito grande.  

Portanto, Amorim decidiu iniciar uma aventura.

Conversando com famílias que adotaram e com seu marido, ele viu a necessidade de colocar essa ideia no papel.

“Sabendo da importância das crianças serem representadas no universo infantil, é importante que tenha algum material de apoio para nossa família e para outras. A criança precisa se ver no ambiente a sua volta”, afirma.

O primeiro livro “O Cavaleiro e o Lobisomem” foi escrito em 2017, o conto de fadas conta a história de dois homens que se apaixonam.

Capa do livro “O Cavaleiro e o Lobisomem” de 2018, escrito por Alexandre de Souza Amorim

Já o livro “Nós temos dois super pais” fala sobre paternidade e adoção. Amorim irá publicar uma terceira história que será ilustrada por uma mulher trans, onde será apresentada uma visão sobre imposições de gêneros na infância.

O Empoderadxs irá realizar uma live com o autor neste domingo (9), dia dos pais, com ele contando sobre a trajetória da adoção e como foi escrever os livros.

“Nesse dia dos pais a gente tira o dia para ficar juntos, mais grudado do que o normal”, comenta.

Sobre Luiz Fernando Figliagi

Estudante de comunicação social em Ribeirão Preto. Jornalismo por amor e cinema como sonho, vibrei muito quando Parasita venceu o Oscar. Amante de Friends, fã de Harry Potter e músico nas horas vagas. Faço parte dos 5,5 milhões que não tem o registro do pai biológico no RG.