A força da união de diferentes vozes que ecoam uma mesma luta: a da mulher  (Foto : Tuane Fernandes)

Feminismo Radical, Liberal, Interseccional e Negro; Entenda as diferentes vozes desta causa

Saudações! Cá estamos na segunda parte do que almeja ser um guia prático sobre o feminismo e sua necessidade social para a mulher. A primeira parte consistiu em fazer um breve histórico do movimento. Agora que você já tem um apanhado do que é o conceito geral, vamos às suas principais formas de atuação: Feminismo Radical, Feminismo Liberal, Feminismo Interseccional e Feminismo Negro. O objetivo é tentar passar uma visão imparcial, com as bases e a quebra de alguns mitos.

Feminismo Radical  (RadFem)

O Feminismo Radical tem como principal bandeira a luta pelo fim do patriarcado através da coletividade. Para tal, seria preciso uma mobilização estatal que corte por vias legislativas as ações patriarcais. Um bom exemplo para ilustrar o que isto significa é o posicionamento RedFem frente à prostituição. Esta deveria ser proibida por ser um produto do sistema patriarcal que visa satisfazer aos homens. Por mais que mulheres possam acreditar querer exercer a profissão por libertação sexual, isto seria um condicionamento provocado pelo machismo, logo não deveria ser tolerado de maneira alguma. A tolerância a religião judaico-cristã também está fora de cogitação por ser a base que sustenta o patriarcado.  Outro ponto importante é que o RadFem não lida com o conceito de “gênero”, mas sim de “sexo”, pois as privações de direitos e estabelecimento de privilégios se dariam ao nascimento. Apenas mulheres cis são aceitas dentro do movimento.

MITOS: “RadFems são extremistas que odeiam homens.” Não. O Feminismo Radical odeia o Patriarcado, que é o sistema que promove a opressão do homem sobre a mulher. Não existe pauta para tratar homem do jeito que homem trata mulher. Quantos homens espancados, estuprados e assassinados por RadFems existem por aí? Exato, zero. Não caia na lenda da misandria, ela não existe.

“RadFems são transfóbicas.” – Transfobia é o ódio e a discriminação de pessoas Transgêneras. Gênero não é pauta no Feminismo Radical, apenas por isso não abraça a causa. Claro, é possível que uma mulher indivíduo do RadFem seja transfóbica, porém é uma característica particular. O fato de existirem padres pedófilos não faz de todo católico um também. É o mesmo princípio.

Feminismo Liberal (LibFem)

O Feminismo Liberal, como o nome sugere, tem origem no Liberalismo político. Ou seja, o Estado não deveria jamais interferir nos direitos da mulher, desde o aborto até a troca de sexo por dinheiro. Meu corpo, minhas regras. Os direitos seriam universais, cabendo ao indivíduo aplicá-los como escolher. LibFems enxergam o machismo como uma violência que oprime o gênero feminino, sim “gênero”. Se uma pessoa se identifica e vive como mulher, estaria sujeita a sofrer todas as opressões do pacote. Apesar de protagonizado por mulheres cis e trans, o Feminismo Liberal coloca em pauta todas as formas de opressão provocadas pelo machismo, como a causa LGBTQI+, por exemplo. Qualquer forma de combater o machismo é válida, inclusive a que afeta o próprio homem cis hétero. São aceitos no movimento todos os gêneros e orientações sexuais.

MITOS- “Feminismo Liberal passa pano pra machismo, atrapalha o desenvolvimento do Feminismo e contribui para o seu silenciamento.” Não. Protagonismo e empatia são coisas bem diferentes. LibFems apenas apoiam as lutas ramificadas contra o machismo. Da mesma forma que mulheres não vão dizer a homens gays, por exemplo, como devem se comportar perante a homofobia, também não aceitará que nenhuma voz que não seja a da mulher tome a frente na causa feminista.

Feminismo Interseccional

O Feminismo Interseccional parte da premissa de que as opressões sofridas pela mulher não se prendem apenas ao gênero, estão também conectadas a raça, orientação sexual, possíveis limitações físicas e mentais, etinia, religião, classe social. Partir do princípio que uma mulher branca, cis, hétero,  saudável tem condições de falar com propriedade sobre todas as outras mulheres oprimidas não apenas pelo machismo, mas muitas vezes por esta própria mulher privilegiada seria um grande equívoco. Uma mulher lésbica, por exemplo, além de lidar com o machismo, tem também com a homofobia, algo que a mulher hétero não precisa se preocupar.

Outro exemplo, no âmbito de classes, seria abordar o fato de que as mulheres brancas de classe média tem crescido no campo profissional, o que é ótimo. Contudo, uma análise mais minuciosa mostra que este crescimento não se deve à divisão de tarefas domésticas e criação dos filhos com o homem da casa, mas sim ao fato de que foi adicionada mais uma mulher na equação: uma empregada doméstica de classe mais baixa, paga com subsalário e sobrecarregada em seu próprio lar. Ou seja, o machismo saiu parcialmente ileso.

A principal função do Feminismo Interseccional é garantir que não haja silenciamento e que os direitos a serem conquistados atinjam efetivamente todas as mulheres.

Feminismo Negro

O Feminismo Negro é o principal afluente do Interseccional. Originado dentro do movimento negro, ele é de extrema importância para que os direitos da mulher negra não sejam engolidos pelo feminismo branco, pois antes mesmo do machismo, estas mulheres precisam enfrentar o racismo direto e estrutural, dentro e fora do movimento. Todas as informações que você leu até agora, principalmente às relacionadas aos direitos conquistados da mulher como cidadã, referem-se às mulheres brancas. Na verdade, referem-se a pessoas brancas, pois os homens negros também encontram-se mais próximos à base da pirâmide de opressão. Em outras palavras, uma mulher branca possui privilégios de direitos sobre um homem negro e mais ainda sobre as mulheres negras. Para elas, o percurso está expressivamente mais atrasado. Um bom exemplo disso em números é a relação de queda e aumento da taxa de feminicídio na última década. Enquanto o de mulheres brancas diminuiu 9%, o de mulheres negras aumentou 54%. Vale repetir, cinquenta e quatro por cento! Logo, é impossível negar a necessidade de um espaço e voz próprios dentro do movimento.

MITO – “O Feminismo Interseccional segrega e enfraquece o movimento.” É exatamente o contrário. Ao garantir que todas as vozes e protagonismos estejam ativos, o movimento aumenta e se fortalece.

Conclusão

Concluindo este resumão básico, algumas colocações importantes de serem pontuadas:

Essa história da carochinha de que feminismo é ódio ao homem não passa de intriga da oposição. O machismo é sim o ódio à mulher, entretanto o contra movimento é apenas de empoderamento. O lance é que o senso comum tende a contrapor ódio com ódio em vez de ódio com respeito, que é o caso, além de ser o mínimo também, não é mesmo?

Se você for um homem, o esperado a partir de agora é a sua compreensão em relação aos privilégios que você tem sobre as mulheres e, a partir desta, a perda do medo absurdo de entregar status de gente para mulher. Lembre-se que o machismo espirra em você também.

Se você é mulher e não quer vestir a camisa, é um direito seu. Porém, tenha cautela nas colocações desonestas, tais como “Eu não devo nada ao feminismo.”, pois se não fosse pelas cabeças de mulheres revolucionárias que rolaram do decorrer da história, você ainda teria status de mercadoria reprodutora sendo trocada do pai para o marido por dez quilos de arroz. Se você pode votar, é devido a uma conquista feminista, se você tem direito à educação, a trabalhar, a adquirir bens e imóveis, a ter conta no banco, a ser reconhecida como cidadã sem estar atrelada a um familiar do gênero masculino é porque o feminismo conquistou estes direitos para você. Não precisa agradecer, apenas não pisar em cima já está de bom tamanho.

Aliás, a todos os seres humanos que passarem os olhos por estas palavras, vamos combinar uma coisa entre nós? Não existe termo mais incoerente do que “feminazi”. Colocar um sufixo desses numa minoria oprimida que prega equidade e respeito é de uma ignorância sem tamanho. Puro reforço do machismo. Dispensável passar essa vergonha.

Por fim, esta que vos escreve é uma mulher branca, cis, hétero que se considera LibFem em processo de desconstrução de vários problemas estruturais. Faz pouco tempo que me enxerguei num feminismo elitizado e estou tomando as devidas providências de conserto.

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