Antes, durante e depois | Confira o relato esclarecedor de um usuário de PrEP

O dia 1 de dezembro é marcado no mundo todo como o Dia Mundial de Combate a AIDS, pensando nisso o diretor de arte Guilherme Gonçalves resolveu contar sua experiência com a PrEP de forma bastante didática afim de esclarecer as dúvidas e desfazer os mitos que existem em torno da medida profilática que é uma das armas para se proteger do vírus do HIV.

Em seu depoimento, Guilherme conta que ainda existe muita estigmatização sobre o tratamento, pouco depois de compartilhar suas experiências com o tratamento, alguns de seus contatos foram questionar se ele estava com o vírus do HIV, o que evidência o quanto as pessoas ainda são leigas e carentes de informação sobre o assunto.

Confira o depoimento na íntegra e fique por dentro do assunto para não cometer gafes por ai:

Quando eu era mais novo no início da minha adolescência (em meados dos anos 2000) eu lembro bem que o estigma do HIV e AIDS ainda era algo muito presente na sociedade brasileira e eu ficava com medo, MUITO medo. Além de lidar com todos os questionamentos que era ser um adolescente LGBTQ nessa época (mesmo que no armário) isso foi algo que realmente não ajudou muito, teve uma época na qual eu achava que HIV era uma doença que somente homens gays contraíam e por não “ter cura” seria o pior pesadelo de alguém, e com certeza o conteúdo de nicho que eu consumia na época (séries, filmes e livros) realmente não me faziam ter uma outra visão sobre o tema.

O tempo passou, eu saí do armário e fui buscar um pouco de informação sobre o assunto, além do conhecimento didático em livros, documentários, podcasts e coisas do gênero, foi primordial conversar com pessoas ao meu redor que convivem com o HIV e atualmente isso tem menos impacto do que alguns anos atrás na vida delas. Todo esse estigma me brecou muito com relação à minha vida sexual, eu não me entregava totalmente à todo o prazer que o sexo poderia me proporcionar com medo de contrair HIV, até que descobri a possibilidade de fazer a PrEP.

O que é PrEP?

É a Profilaxia Pré Exposição ao HIV, o tratamento resulta no uso preventivo e regular de antirretrovirais (Tenofovir e Emtricitabina combinados no medicamento conhecido como Truvada) através de um comprimido por dia via oral antes da exposição ao vírus, com o objetivo de reduzir em aproximadamente 90% a infecção em situações de risco. Os testes da PrEP começaram em 2012 e foi liberada oficialmente para a população americana em 2014, finalmente foi disponibilizada no sistema de saúde pública brasileira pelo SUS em Dezembro de 2017 para populações consideradas de “vulnerabilidade maior” pelo Ministério da Saúde: homens que fazem sexo com homens, travestis, transexuais, profissionais do sexo e casais sorodiferentes).

Veja se está disponível por onde você mora AQUI.

Como aderir a PrEP?

Existe um processo para aderir a PrEP e conseguir o Truvada, devido à grande procura nas 22 cidades que o tratamento está disponível no Brasil. Tentei explicar de uma maneira bem resumida o processo pelo qual eu passei para aderir ao tratamento:

O Processo

Fazia um tempinho que eu cogitava iniciar o tratamento da PrEP, me decidi quando fui fazer meus últimos exames de rotina. Sou de São Paulo e sempre fiz meus exames de HIV e IST’s no CRT (Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS-SP) na Santa Cruz. Na última vez, fui buscar informações sobre a PrEP, a agente de saúde foi muito sincera comigo falando sobre a grande fila de espera no local para aderir ao tratamento, nesse cenário ela me deu uma lista com outros locais nos quais eu poderia ser atendido e que provavelmente teriam um prazo menor de espera, inclusive mais próximos de casa. Acabei optando pelo CTA (Centro de Testagem e Aconselhamento) IST/AIDS Santo Amaro e fui surpreendido muito positivamente com a qualidade, o atendimento e o preparo de todos os funcionários do local.

Realizei TODOS os processos citados anteriormente e deu tudo certo, minha psicóloga e médica me deixaram super à vontade, no processo elas sanaram todas as minhas dúvidas e me explicaram tudo direitinho de uma maneira bem didática. Não tive muitos efeitos colaterais, apenas dores no corpo e dor de cabeça nos dois primeiros dias de tratamento, tirando isso foi tudo tranquilo e sem outros efeitos colaterais.

Dentre os cuidados que eu tomei ao iniciar o tratamento coloquei um despertador no celular me regrando à tomar o remédio sempre no mesmo horário todo dia (14:00hs), além de colocar dois comprimidos na minha carteira para situações de emergência (dormir fora de casa, por exemplo).

A minha confiança e tranquilidade nas relações sexuais que eu tive depois de aderir ao tratamento cresceram muito! Utilizo o Truvada como uma prevenção COMBINADA ao uso da camisinha, como é recomendado pelos médicos e estudos da PrEP… afinal ela só previne contra o HIV ainda estamos expostos à todas as outras IST’s (sífilis, gonorreia, hepatites, HPV, clamídia entre outras).
Observei uma tranquilidade maior nas relações que tive nesse período, inclusive uma melhora considerável na minha performance sexual rs.. parece que agora eu me entrego de fato 100% e desfruto ainda do que o sexo pode me proporcionar.

Sou “Truvada Whore”?

Algo que eu realmente não esperava era a estigmatização para com quem faz o tratamento e utiliza o Truvada.
Esse estigma e preconceito ironicamente parte de grande maioria pela própria comunidade LGBTQ (muito mais pela letra “G”); tive que lidar mais de uma vez com frases como: “Nossa.. tudo isso para não usar camisinha?”, “Mas.. você vai parar de usar camisinha?”, “Você sabe que não é 100% eficaz né?”, “Mas só protege de HIV sabia?” “Tomar um remédio só pra poder trepar sem camisinha… tem que ser muito puta!”. O que eu acho bizarro é que essas pessoas querem saber mais do que eu, que passei por TODO O PROCESSO anterior até de fato fazer o tratamento… sempre apresentando fatores negativos e um conservadorismo bem desnecessário!

Sexo e prevenção AINDA são um taboo mesmo dentro da comunidade LGBTQ que já sofre tanto estigma com relação a promiscuidade e libertinagem do meio externo, ao invés de adquirirem conhecimento esse discurso conservador é reproduzido incansavelmente geralmente cercado por uma falsa moral.

O termo Truvada Whore (Vadia do Truvada) foi criado nos Estados Unidos (mais especificamente na cidade de São Francisco) devido à todo esse estigma direcionado à homens gays e bissexuais que utilizam e admitem que tomam o medicamento todos os dias (como o tratamento recomenda); é um pensamento comum essas pessoas acreditarem que alguém que toma o remédio automaticamente pare de usar camisinha e aumente a disseminação de outras IST’s. Na realidade, principalmente pela periodicidade de testagem o número de pessoas com IST’s que fazem o tratamento tem diminuído, como podemos ver AQUI.

Você que está lendo aqui, caso esteja considerando aderir ao tratamento fique ciente desse estigma e preconceito, mas acho importante antes de tudo a pesquisa para tirar todas as suas dúvidas, converse com pessoas que já fazem a PrEP e passe adiante o conhecimento pra tirar essa visão demonizada desse avanço incrível da cabeça das pessoas.

BONUS: Pep x PrEP

Vejo muita gente confundindo Pep com PrEP, eu já usei a Pep 2 vezes também e vou explicar a diferença.

Pep (Profilaxia Pós – Exposição) é indicada quando você se expõe à uma situação de risco e possível contato com o vírus, nesses casos você pode procurar um Serviço de Saúde no período de no máximo 72 horas e vai tomar um combinado de antirretrovirais (tenofovir, lamivudina, atazanavir, ritonavirque) que também são utilizados no tratamento HIV e AIDS, o tratamento deve ser feito por 28 dias consecutivos sem nenhum tipo de interrupção. Não tive grandes efeitos colaterais com a Pep, apenas olhos amarelados nos 2 primeiros dias utilizando os medicamentos.

Colocando em outra metáfora pense na PrEP como um anticoncepcional, no qual você toma diariamente e a Pep como uma pílula do dia seguinte utilizada apenas em situações específicas.

Concluindo… eu me sinto muito bem e com uma auto estima bem alta depois que entrei no tratamento PrEP, apesar de todo o estigma que existe é um preço pequeno a se pagar se comparado a me sentir bem e desfrutar de todo o prazer que o sexo pode fornecer e principalmente.. SEM NEURAS. Todo esse processo me fez ficar muito regrado com os meus exames periódicos e não abandonei o uso da camisinha.

É importante frisar que TUDO o que você leu aqui são relatos das minhas experiências com relação a esse assunto eu NÃO SOU um profissional da saúde! Caso você tenha alguma dúvida sobre o assunto procure um agente de saúde perto de você pra esclarecer tudo com mais propriedade.

Estou SUPER disponível pra responder todas as dúvidas de vocês, de acordo com o meu alcance e conhecimento sobre o assunto, fiquem à vontade em me procurar pra perguntar QUALQUER coisa… não vou divulgar nada e tudo será anônimo 🙂 Pode ser por aqui (nos comentários), Facebook, Instagram e e-mail: guilhermegc90@gmail.com

Sobre Emílio Faustino

Formado em jornalismo, atua na área há mais de 15 anos. Amante da sétima arte, no YouTube apresenta o canal EmpoderadXs onde entrevista atores, diretores e ativistas. Atuou em empresas como Rede Globo e UOL, sempre com enfoque em cultura e ativismo. É diretor executivo e fundador do site EmpoderadXs, onde promove a união de minorias sociais e realiza seu sonho de dar voz para quem precisa.