E se Deus fosse mulher? | Uma breve reflexão sobre o machismo que herdamos das religiões

Se o conceito de Deus fosse feminino e não masculino, o que teria sido diferente na história das mulheres e sua liberdade?

God is a woman” é uma frase que viralizou no universo feminista após a música de Ariana Grande e foi repetida inúmeras vezes em redes sociais, virando até estampa de camisetas. Mas a ironia é que, se Deus fosse realmente uma mulher, o mundo seria um lugar completamente diferente do que conhecemos.

O sistema patriarcal em que vivemos é reflexo direto das crenças religiosas que foram construídas ao longo dos milênios. Não posso traçar um único ponto que seja a origem de toda misoginia, já que ela é diversa. Mas posso delimitar um momento importante em que ele se consolidou: o momento em que o monoteísmo nasceu.

O monoteísmo abraâmico que conhecemos deu origem ao judaísmo, cristianismo e islamismo – e a todas as suas incontáveis vertentes. O Deus único é a imagem e semelhança dos homens que o criaram: Ele é, antes de tudo, homem, e odeia as mulheres.

Percebemos isso logo em Gênesis, quando Deus cria o primeiro humano – um homem, claro. E Deus não pensa em criar uma mulher. Só decide fazê-la quando percebe a infelicidade do homem. Ele cria a mulher com o único propósito de fazer o homem feliz, e então toda a narrativa machista começa.

Não vou entrar nos detalhes que você provavelmente já conhece: a mulher é a culpada pela desgraça da humanidade. E as descendentes de Eva são tão amaldiçoadas quanto ela: devem obedecer aos maridos, não têm direito a herdarem suas propriedades, servem apenas para limpar, casar e reproduzir, e, se ousarem explorar sua sexualidade fora do casamento, merecem ser apedrejadas em público.

A coisa melhora um pouco para o cristianismo depois de Maria se tornar a Mãe de Deus. Mas melhora entre aspas, porque ela só serve pra ser isso: uma mãe virgem, submissa a Deus, e nada mais.

O filho demonstra um pouco mais de tolerância com as mulheres, mas algumas páginas depois, os seus seguidores já estão vociferando que não permitem que mulheres ensinem ou falem durante cultos.

Falo do cristianismo por ser a religião em que cresci, mas padrões parecidos são encontrados no judaísmo e islamismo, e chegam a ser ainda piores. Em vertentes mais radicais das duas religiões, mulheres são consideradas seres impuros, inferiores, sem direito civil algum, e com o dever de esconderem o rosto.

Em algumas partes do mundo, a luta das mulheres já superou as crenças e ganha cada vez mais espaço para garantir nossa liberdade, mas, infelizmente, em muitas outras partes, a religião patriarcal ainda vence e subjuga mulheres, roubando sua humanidade e suas vidas.

Se esse Deus único fosse mulher, com certeza a narrativa seria outra.

Se Eva tivesse sido criada como igual a Adão, e não como objeto de seu prazer, talvez os milênios de opressão nunca tivessem acontecido.

Mas Deus não é uma mulher, e por isso é nosso dever mantê-lo longe de nossa Constituição e de nossas leis, e, principalmente, longe de nossos corpos.                                           

Sobre Vivian C. Mansano

Formada em Letras, educadora e autora de romances distópicos e contos. Amo literatura. Sou mulher, feminista, ateia, não-monogâmica. Gosto de escrever pela arte e pela defesa de grupos oprimidos. Acredito que só a educação e o ceticismo podem mudar o Brasil.